Esse universo de mentirinha - que empolgava a garotada em sua torcida implacável pelo triunfo do bem sobre o mal - não se permitia meios tons. Ou se era bom ou não se era
Por alguns bons momentos, eu acho, uma nova diversão andou polarizando as atenções de quem, como eu, andava aí pelos 10, 12 anos entre 1967 e 1970: os espetáculos de luta livre, que se popularizaram pela televisão até chegarem aos ginásios esportivos de grandes e pequenas cidades - entre eles, a do Palestra, aqui mesmo em Rio Preto. Artistas como Ted Boy Marino, Tigre Paraguaio, Homem Montanha, Gran Caruso, entre outros, povoavam o imaginário dos garotos, deslumbrando-os com suas tesouras voadoras, chaves de braço, mergulhos e cabeçadas.
Eles alternavam-se em duelos entre si, sempre se submetendo à regra número um dessa encenação que parecisa briga: os "mocinhos", que lutavam limpamente e faziam reverências de suadação ao público, enfrentavam os "bandidos", vale dizer, os "sujos", que faziam questão de mostrar sorateiramente à plateia indignada os pregos e objetivos cortantes que levavam ao ringue para sacanear os advrsários. Desconfiávamos que fosse tudo "marmelada", mas preferíamos não pensar muito nisso.
Esse universo de mentirinha - que empolgava a garotada em sua torcida implacável pelo triunfo do bem sobre o mal - não se permitia meios tons. Ou se era bom ou não se era. O impacto das falsas porradas no ringue era inversamente proporcional à complexidade da trama ensaiada.
Às vezes, é verdade, a vitória era um dos "sujos", sempre que as artimanhas fraudulentas vergavam os "mocinhos", traduzindo para aquele imenso público de crianças o significado nu e cru de um conceito em que toda aquela geração esbarraria um monte de vezes ao longo da vida: a injustiça.
Entre os personagens fascinantes desse teatro, havia um mascarado - trajes, capa, botas e luvas negras - que instigava ainda mais a imaginação ansiosa da plateia imberbe. Era o Fantomas, o homem misterioso de quade dois metros de altura, que fingia ter uma das pernas retesadas e distribuía golpes de caratê que fulminavam os adversários.
A invencibilidade de Fantomas sempre frustava a obsessiva preocupação dos adversários em que lhe arrancar a máscara para revelar ao mundo sua identidade secreta. Se bem me lembro, o justiceiro mascarado não era exatamente "do bem" ou "do mal", pairava acima dessa duabilidade, "espancava" indiistintamente a todos. Não sei, não, mas acho que essa confusão era mais uma das lições de ética que as lutas livres nos ensinavam.
Como nenhum daqueles brutamontes era capaz de derrotá-lo no ringue, a nós, meros espectadores fanáticos, tornava-se impossível resolver o mistério por trás daquela máscar. Nas ocasiões em que a trupe veio a Rio Preto, era comum encontrar grupos de garotos rodeando o hotel onde se hospedavam, na vã tentativa de encontrar alguém com o porte físico do Fantomas circulando pelas redondezas.
O telecatch desapareceu da TV, a luta livre parou de percorrer as cidadesm, Fantomas e seus amigos perderam-se na memória. Há pouco tempo, lendo um resumo do livro "Telecatch - Almanaque de Luta Livre", fiquei savbendo que, em aí pelos anos oitenta do século passado, morreu, aos 76 anos de idade, o cidadão Gurino Cicon, um marceneiro piracicabano que terminou a vida no Tatuapé, em São Paulo, trabalhando como segurança particular e padecendo de diabetes que amputou um dedo e, depois uma perna.
Era o Fantomas.
Fonte: José Luís Rey / Jornalista em Rio Preto - Jornal Diário da Região.
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