Inscrição indevida. Suspensão de fornecimento. Indenização por danos morais.
Inicialmente, cumpre destacar que a relação jurídica entre a concessionária de energia elétrica e o usuário é de consumo e, portanto, regida pela Lei nº 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor ( CDC).
A concessionária de energia elétrica segue as Resoluções da Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel. Contudo, nenhuma resolução pode se sobrepor ao CDC. Este deve prevalecer num eventual conflito de normas.
É comum o consumidor ser surpreendido com cobranças oriundas de fiscalizações e de supostas fraudes nos medidores. Contudo, ainda que a empresa tenha a prerrogativa de fiscalização, esta deve obedecer aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, nos termos do art. 5º, inc. LV, da Carta Magna.
O consumidor deve acompanhar a fiscalização pessoalmente ou ainda, designar profissional qualificado para tal, tendo em vista a condição de hipossuficiente do consumidor.
Outrossim, caso o medidor seja encaminhado para laboratório, o consumidor deve ser previamente comunicado com antecedência mínima de 10 (dez) dias, conforme art. 129, § 7º, da Resolução 414 da Aneel para acompanhar pessoalmente o laudo técnico ou contar com o apoio de um assistente técnico.
Além do que, o § 6º, do artigo supracitado assevera que, o laboratório deve ser acreditado pelo INMETRO, sob pena de ser anulado o laudo de avaliação do medidor.
Portanto, caso não sejam respeitados esses princípios resta evidente a cobrança indevida. A respeito da matéria, o E. Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia decidiu:
Apelação cível. Ação declaratória. Energia elétrica. Recuperação de consumo. Perícia realizada pelo IPEM. Inobservância do contraditório e da ampla defesa. Pericia unilateral. Apelo parcialmente provido. Embora possível que a concessionária de serviço público apure a recuperação de consumo de energia elétrica em razão de supostas inconsistências no consumo pretérito, é necessário que comprove o cumprimento rigoroso dos procedimentos normativos da ANEEL, sob pena de desconstituição do débito apurado. (TJ- RO - AC: 70103316320198220002 RO 7010331-63.2019.822.0002, Data de Julgamento: 19/11/2020) (Grifo nosso).
“Apelação cível. Ação declaratória. Recuperação de consumo. Preliminar em contrarrazões. Ofensa princípio da dialeticidade. Mérito. Ausência de prova da irregularidade. Cobrança ilegítima. Recurso desprovido. O processo de recuperação de consumo só pode ser considerado válido quando a concessionária traz aos autos a lisura do processo de inspeção, bem como a garantia da ampla defesa ao consumidor. (TJ- RO - AC: 70046906020208220002 RO 7004690-60.2020.822.0002, Data de Julgamento: 19/08/2020) (grifo nosso).
Outrossim, além do respeito ao contraditório e à ampla defesa, cabe à concessionária o ônus de provar a irregularidade. Vejamos:
Apelação Cível. Energia Elétrica. Recuperação de Consumo. Apuração irregular. Fiscalização unilateral. Débito inexigível. Recurso não provido. 1 - É possível a concessionária de serviço público pleitear a recuperação de consumo de energia elétrica, em razão da constatação de inconsistências em consumo pretérito, desde que apresente elementos suficientes para comprovar a irregularidade na medição. 2 - Torna-se inexigível débito cobrado decorrente de fiscalização realizada unilateralmente pela concessionária, sem garantia do contraditório e ampla defesa. (TJ- RO - AC: 70548762720198220001 RO 7054876-27.2019.822.0001, Data de Julgamento: 28/09/2020) (Grifo nosso).
Vale ressaltar ainda que a cobrança decorrente de apuração unilateral pode gerar indenização por danos morais. Em caso análogo, o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu a respeito do tema:
“STJ. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. CONSUMO IRREGULAR, DECORRENTE DE SUPOSTA FRAUDE NO MEDIDOR, APURADA, UNILATERALMENTE, PELA CONCESSIONÁRIA. ACÓRDÃO QUE, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS, CONCLUIU PELA ILEGALIDADE DA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DO SERVIÇO E PELA CONFIGURAÇÃO DOS DANOS MORAIS. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. PRETENDIDA REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. […] II. Na origem, trata-se de ação proposta em face da Companhia Energética do Maranhão - CEMAR, alegando a existência de indevida cobrança de débito, decorrente de suposta fraude no medidor de consumo, constatada mediante inspeção unilateral, efetivada pela concessionária fornecedora do serviço de energia elétrica. III. O Tribunal de origem, à luz das provas dos autos, manteve a sentença de procedência, para declarar a nulidade da cobrança e condenar a concessionária ao pagamento de R$ 15.000,00, a título de indenização por danos morais. […] VI. Agravo interno improvido.” ( AgInt no AREsp 1071432/MA, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 28/09/2017) (grifamos).
E nesse mesmo sentindo vêm julgando os Tribunais pátrios. Vejamos:
Ação de obrigação de fazer c/c indenização em dano moral. Fornecimento de energia elétrica. Cobrança em valor acima da média de consumo. Tutela provisória determinando o restabelecimento do serviço. Prova pericial concluiu que o consumo está acima da média estimada. Sentença que ratifica a tutela provisória concedida; determina o refaturamento de conta; condena a ré a pagar indenização em dano moral fixado em R$ 8.000,00, por cobrança irregular. Apelação da ré. Agravo Retido da parte ré não reiterado. Manutenção da integralidade da sentença. Refaturamento conforme o laudo pericial. Dano moral configurado. Súmula 192 deste Tribunal. Mantença do valor indenizatório de R$ 8.000,00. Valor que bem atende aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Inteligência da Súmula 343 deste Tribunal. Majoração dos honorários advocatícios em favor da parte autora para o percentual de 15% sobre o valor da indenização por dano moral fixada na sentença. Conhecimento e não provimento da apelação da Concessionária ré. (TJ-RJ - APELAÇÃO APL 00061429620148190075 RIO DE JANEIRO REGIONAL VILA INHOMIRIM VARA CIVEL (TJ-RJ) (grifamos).
De igual modo, a inscrição indevida em cadastro de inadimplentes por dívida inexistente é, por si só, ato suficiente para gerar danos morais, caso não exista outra dívida. Tal entendimento foi pacificado na Súmula nº 385 do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos entendimento sedimentado do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. 1. DANO IN RE IPSA. 2. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO. DESCABIMENTO. 3. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Prevalece no âmbito do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano moral sofrido em virtude de indevida negativação do nome do autor se configura in re ipsa, ou seja,independentemente de prova. 2. O Tribunal estadual fixou o valor indenizatório em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de danos morais, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, seguindo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Não há como concluir pelo excesso no arbitramento da indenização sem adentrar nos aspectos fático-probatórios da causa, insuscetíveis de revisão na via estreita do especial, por expressa disposição da Súmula n. 7 do STJ. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no AREsp: 643845 MG 2014/0344999-9, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 16/04/2015, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/05/2015) (grifamos).
Por fim, o Egrégio Tribunal de Justiça de Rondônia tem decidido de igual modo. Vejamos um julgado bem recente:
Apelação Cível. Declaratória inexistência de débito. Inscrição em cadastros de inadimplentes. Dano moral. Configurado. Recurso provido. A inscrição indevida do nome do consumidor em órgão restritivo de crédito causa dano moral presumido. O valor da indenização deve-se operar com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, à capacidade econômica das partes, cabendo ao juiz orientar-se pelos critérios sugeridos na doutrina e na jurisprudência com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso. (TJ- RO - AC: 70225637620208220001 RO 7022563-76.2020.822.0001, Data de Julgamento: 14/10/2021) (grifamos)
Portanto, caso o consumidor seja surpreendido com cobranças indevidas de faturas de energia elétrica, se recomenda que este procure a consultoria de um advogado, a fim de ter assegurados os seus direitos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário