quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Uma moto usada que virou item de coleção

 

A Royal Enfield Bullet 500 chegou em 2017 e já saiu de linha. Virou item colecionável


Quando a Royal Enfield entrou no Brasil, em 2017, começou com um produto que fez mais sucesso pelo estilo do que pelas qualidades propriamente ditas, a Bullet e a Classic 500. Com o mesmo visual das inglesas dos anos 1950, elas prometiam um charme vintage com tecnologia de injeção eletrônica e freios ABS. 

Para entender estas motos de 500 cc é preciso se imaginar dentro das roupas do seu avô, pilotando uma moto dos anos 1950, nas estradas e no estilo daquela época. Não adianta querer julgá-la baseado nos critérios das motos modernas, porque ela é uma moto inglesa antiga, com a enorme vantagem de não se tratar de uma réplica, mas de uma autêntica, zero quilômetro, original de fábrica! 

Mas tem os benefícios dos tempos atuais como partida elétrica e injeção eletrônica. Mas os tiques das motos antigas como o motor muito barulhento. O motor de partida só é acionado com o cavalete lateral recolhido. Se estiver abaixado ela não libera a partida nem com a embreagem acionada. É preciso colocar no neutro. 

O motor produz um ruído bem diferente, típico dos motores com comando no bloco e acionado por varetas (OHV). Na verdade o tic-tic-tic que ouvimos vem também do descompressor para acionar o pedal de partida. Sim, ela tem o pedal e eu fiz questão de tentar – e conseguir – fazê-la funcionar pelo kick-starter. 

O projeto dessa moto data de 1932, quando surgiu na Inglaterra pré-Guerra e foi produzida em solo inglês até 1956, ano que a linha de montagem foi transferida para a Índia e permanece até hoje.

A Royal Enfiled moderna está para os indianos assim como os nossos carros dos anos 1980 está para o brasileiro sem grana para um carro moderno. O que para nós pode parecer algo antigo e anacrônico, para eles é a oportunidade de alcançar o sonho de consumo de toda uma família. 

Royal Enfield Bullet 2017
Royal Enfield Bullet 2017
Imagem: Divulgação

Como é

Vale a pena passar um tempo olhando os detalhes. Quase tudo é feito do mais puro, pesado e duro ferro! Não tem peças plásticas (exceto os punhos). Por isso o peso seco chega a quase 190 kg. 

Um detalhe que chama atenção é o par de luzes ao lado do farol, chamado de olhos de tigre. Elas permanecem acesas quando se aciona a ignição e além de muito charmosas lembra a legislação de alguns países que obriga a manter os piscas dianteiros acesos junto com o farol. Para completar, como a cereja do bolo, o farol tem uma pestana de metal, exatamente como antigamente.

Olhando mais um pouco podemos ver que não existe absolutamente nenhuma frescura. Tudo é funcional e necessário. As rodas são raiadas de aço que calçam pneus com câmera Metzeler de 19” na frente e 18” atrás, na discreta medida 90/90 e 110/80, respectivamente.

O desenho do motor é totalmente clássico com o único cilindro bem na vertical e até pode-se observar as borrachas entre as aletas de arrefecimento na tentativa de reduzir a vibração. Aliás, quem não gosta de sentir a vibração de um monocilindro de 499 cm3 arrefecido a ar com comando por vareta nem chegue perto dessa moto.

A posição de pilotagem é a mais clássica possível: as pernas ficam em ângulo quase reto, com os pés bem repousados para a frente, como em uma moto utilitária. O guidão é largo e confortável. No modelo Bullet o banco é inteiro, em dois níveis. Já nas versões Classic os bancos são divididos e o espaço pra garupa é ruim e duro. Na verdade esse “projeto de banco” foi feito para ser retirado mesmo. 

Royal Enfield Bullet 2017
Royal Enfield Bullet 2017
Imagem: Divulgação

Como anda

Nos corredores entre os carros dá um pouco de trabalho por causa da largura do guidão. Na verdade o guidão nem é tão largo, mas ele tem os pesos na ponta que servem para reduzir a vibração nas manoplas. 

A caixa de câmbio de cinco marchas tem um acionamento suave e silencioso. E quando se engata a quinta, acima de 40 km/h, o funcionamento do motor se torna suave, silencioso e sem vibrações. Parece mágica. Mas basta elevar a rotação para sentir mãos e pés formigarem. 

Na estrada, até 100~110 km/h o motor se mantém no limite aceitável de vibrações, mas acima disso a vibração é tão intensa que não dá para ver o que está se passando pelos espelhos. 

Já no trecho de curvas, nada a declarar. Nem pense em pilotá-la como se fosse uma esportiva, porque o chassi é pesado, torce e as pedaleiras raspam no asfalto com facilidade. É preciso enfrentar as curvas como se realmente estivesse nos anos 1950. 

Neste percurso sinuoso pudemos avaliar o freio dianteiro a disco, muito eficiente, mas que merecia manete regulável, porque depois de algumas frenagens seguidas a mão direita cansou. É fácil de resolver com uma manete regulável vendida no mercado de acessórios. Já o freio traseiro a tambor é suficiente para controlar a velocidade no uso urbano. 

E como a Royal Enfield venceu o Six Days Scottish Trial, em 1957, com Johnny Brittain pegamos uma estrada de terra e a Bullet surpreendeu positivamente porque o motor tem uma entrega de potência tão suave que mesmo abrindo o acelerador ela não sai chicoteando pra todo lado. Parece até um controle de tração. Pode-se afirmar que é possível enfrentar longos trechos de terra até porque na Índia as estradas de asfalto são um luxo das cidades industrializadas. 

As suspensões aceitaram bem o piso irregular. Trata-se de um conjunto simples, com garfo telescópico na frente e dois amortecedores reguláveis atrás. 

Outro destaque é o jogo de ferramentas, como antigamente, com chaves de bom tamanho, resistentes e funcionais. Não estão ali só para cumprir exigências burocráticas.

Royal Enfield Bullet 2017
Royal Enfield Bullet 2017
Imagem: Divulgação

Charme e classe

A má notícia é que a Royal Enfield decidiu interromper a venda destes modelos no Brasil em 2020. Isso, mais a conjuntura estranha, fez os preços das usadas enlouquecerem de tal forma que variam de R$ 17.500 até R$ 36.000. Algumas edições especiais, como a Tribute Edition podem encostar em R$ 40.000.

Normalmente o modelo Bullet, de banco inteiro, é menos valorizada, enquanto a versão classic, principalmente as especiais como a militar, são mais valorizadas. 

Mas claro que é uma moto de nicho, para quem sabe que se trata de uma antiga em corpo de moderna. O motor tem pouca potência (tem 27,2 CV a 5.250 RPM), e gasta mais do que uma 250 moderna (faz cerca de 24 km/litro). 

Um dos apelos da Bullet é a facilidade de customização. A exemplo da Harley Davidson, estas Royal tem uma coleção de acessórios para deixa-las todas diferentes. E mais: qual moto vendida no Brasil é fabricada praticamente à mão, uma por uma? Faz muito sucesso o vídeo do artista que pinta os filetes dos tanques à mão. Se não viu, veja abaixo:

Se a ideia for uma moto urbana, que se destaca, imune a roubo, charmosa e com uma extensa lista de acessórios customizáveis, pode procurar uma. Já imagino uma série de acessórios como mata-cachorro, luzes de neblina, bolsas laterais de couro, sem falar na linha de roupas da marca Royal Enfield, 100% de inspiração vintage. 

Como elas tem pouco tempo de mercado, as unidades usadas à venda normalmente estão pouco rodadas. Os itens a serem observados nas usadas são os já conhecidos de sempre: vazamentos em geral (motor, retentor das bengalas e cárter). Também o kit de relação de transmissão: corrente, coroa e pinhão. Por ser uma moto de concepção rústica, pode ser comum pontos de ferrugem.

Não se preocupe com peças de reposição, porque hoje é possível achar tudo pela internet. 


Royal Enfield Bullet 2017
Tite Simões com a Bullet
Imagem: Divulgação
Fonte: Motoo.com.br


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