domingo, 28 de novembro de 2021

MOMENTO JURÍDICO - Obras em condomínio, direito à propriedade, direito à privacidade e o direito de passagem

 


Existe a confrontação de dois ou mais direitos neste caso, direito de propriedade, dignidade da pessoa humana, de privacidade, em confronto direto ao direito de passagem determina o Código Civil


Uma das questões mais controversas no âmbito do Direito Condominial e de Vizinhança, são as obras em condomínio e o direito de passagem. A verdade é que, existe a confrontação de dois ou mais direitos neste caso, direito de propriedade, dignidade da pessoa humana, de privacidade, em confronto direto ao direito de passagem determinado no Código Civil.

Antes de analisarmos estes direitos, verifiquemos a obrigação do síndico, que é um dos maiores interessados em uma situação de obras em condomínio, para que seja tudo resolvido dentro das normas legais.

OBRIGAÇÕES DO SÍNDICO

Nos termos do Art. 1.348. Compete ao síndico:

[...]
IV - cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia;

Entre muitos dos problemas que o síndico enfrenta quanto a esta questão, está a que os condôminos entendem que ele pode por exemplo, dispensar multas, isentar de correções e até perdoar dívidas advindas da obrigação de pagar o custeio mensal do condomínio.

Veja a lei

Art. 1.336. § 1o O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.

Como se observa, ao contrário do que pensam os condôminos, o síndico está obrigado a impor e cobrar as multas convencionadas, arcando com a reposição em caso de dispensa, se assim entender a assembleia ou até, os membros do conselho fiscal.

Porém, não é só na questão do perdão das multas e demais acréscimos incidentes do inadimplemento das taxas de condomínio. As transgressões às regras, a inobservância dos deveres e o mau uso da unidade também sujeitam os condôminos a sofrerem a aplicação das sansões por parte do síndico, respondendo este pelas perdas e danos que porventura sua omissão vier a dar causa, e olha que são multas até relativamente pesadas, que vão de 5 a 10 vezes o valor da taxa condominial, ou seja, de 500 a 1.000%.

E os motivos que fazem com que o condômino venha a ser punido compreendem a própria falta de pagamento das taxas de custeio, com multas menos pesadas, a realização de obras que comprometam a segurança da edificação (reformas com derrubada de parede, por exemplo), alteração da fachada, utilização da unidade diferente da qual se destina (transformar o apartamento em um ponto de negócio, por exemplo) e ainda, causar danos prejudiciais ao bem estar dos demais moradores ou aos bons costumes.

NORMA DA ABNT

Para cuidar da segurança e da durabilidade das edificações brasileiras, a ABNT publicou uma nova norma, a 16.280. O regramento começou a valer a partir de 18/04/2014 e foi revisado em agosto de 2015.

Através desta norma, qualquer alteração feita nas edificações – inclusive as executadas dentro das unidades - deve ser comunicada ao síndico. A norma vale para condomínios verticais. Seu objetivo é mudar principalmente a cultura de que a contratação de um bom pedreiro não acarreta em maiores problemas para a estrutura do condomínio.

Agora, segundo a Norma Brasileira 16.280, para executar uma obra ou reforma dentro da unidade condominial, o proprietário/morador deve apresentar para o síndico um plano de reforma e uma ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) ou RRT (Registro de Responsabilidade Técnica), assinados, respectivamente, por um engenheiro ou arquiteto que deverá acompanhar as obras - antes do início da mesma.

Assim, fica a cargo do síndico receber e guardar esses documentos e se certificar que o que foi acordado previamente é o que está sendo executado dentro da unidade.

Pela lei, pouco muda, uma vez que o síndico já deveria ser avisado sobre reformas e obras dentro do condomínio, algo que não acontecia na prática.

Em muitos empreendimentos, os condôminos acreditam que, por se tratar de sua unidade autônoma, estão livres para efetuar as alterações que julgarem adequadas para o espaço - algumas vezes sem se preocupar com o impacto sofrido pelas estruturas da edificação.

RESPONSABILIDADE DAS REFORMAS NO APARTAMENTO

A questão é, como o síndico terá condições de julgar se aquela obra, ou projeto, realmente não trarão prejuízos para a coletividade?

Por um lado, a responsabilidade realmente é do profissional que apresenta a ART ou RRT – caso o pior aconteça, ele será responsabilizado na Justiça comum e no seu órgão de classe. Por outro, esse profissional está sendo contratado para executar um serviço, e a ART pode dizer uma coisa e ser executada outra – e nesse caso, o síndico pode vir a ser responsabilizado por não ter fiscalizado a obra corretamente.

Daí a importância de o síndico exigir sempre o projeto detalhado como mencionado acima e com a assinatura do profissional, além de fiscalizar, na medida do possível, se a reforma está seguindo o que diz o documento. Dessa forma, o síndico - e a edificação - ficam resguardados.

OBRAS IRREGULARES

Neste sentido, é importante analisarmos o que pode ser considerada uma obra irregular e os riscos que podem acarretar tais intervenções na edificação.

Obras irregulares no condomínio são aquelas que não obedecem aos padrões fixados nas leis condominiais e no projeto arquitetônico do edifício. Elas também podem violar a legislação local sobre edificações (código de posturas do município) e serem iniciadas por um condômino ou pelo próprio síndico.

Já nesses casos extremos, o condomínio poderá propor ação de nunciação de obra nova, a fim de suspender ou mesmo demolir obras irregulares, por meio de obtenção de liminares (Art. 934, II), Código de Processo Civil:

Art. 934 - Compete esta ação (Nunciação):
II - ao condômino, para impedir que o coproprietário execute alguma obra com prejuízo ou alteração da coisa comum;

Ainda, o condômino não pode alterar o espaço comum, por alterar o projeto, medidas etc. (se este for o seu caso). Daí aplica-se o artigo 1314:

Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.

A maioria das construções hoje segue um padrão: o edifício é erguido com base em três elementos de sustentação: lajes, viga e principalmente os pilares. Depois serão construídas as paredes, que depois podem ser alteradas sem nenhum risco à segurança do prédio.

A obra segue uma ordem: fundação, pilares, vigas e lajes. O peso do prédio fica distribuído entre esses elementos. Mas há casos em que a parede também tem uma função na estrutura. É a chamada alvenaria estrutural – quando os tijolos ganham o reforço de vergalhões e concreto.

Muito comum nas reformas é que as pessoas queiram quebrar paredes sem saber se foram projetadas para suportar o peso do edifício. Se qualquer parte da estrutura é alterada ou sofre algum tipo de intervenção sem acompanhamento técnico, toda a base da construção fica comprometida, o que pode provocar um colapso da estrutura do edifício.

Daí a importância de acompanhamento técnico.

DEVERES DO CONDÔMINO

Um dos principais deveres dos condôminos, instituído no Código Civil, é não realizar obras que comprometam com a segurança da edificação, prevista no art. 1.336, inciso III.

Este é um dever de suma importância que deve ter observância tanto para o condômino, como para o síndico, pois envolve a responsabilidade de ambos.

Não é incomum que proprietários de apartamentos desejam realizar obras no interior de acordo com suas necessidades e desejos. É totalmente legal, pois está exercendo seu direito de propriedade, como o uso e gozo. Entretanto, apesar de exercer este direito previsto na Constituição, as normas especiais limitam tal instituto para própria segurança do mesmo e alheios que participam indiretamente.

Podemos citar como limites do direito de propriedade, os princípios previstos no art. 1.336, inciso IV, do Código Civil, que são norteadores para uma boa convivência condominial, são eles: princípio do sossego, salubridade, segurança dos possuidores e bons costumes. Desta forma, o condômino não poderá utilizar sua propriedade de forma que viole estes princípios, sob pena de incorrer em multa.

Essas regras-princípios equivalem para as obras que os condôminos desejam realizar no interior de sua unidade. Todo cuidado é pouco, em razão de que, a alteração que será feita acaba por gerar atos e procedimento que muitas vezes violam o direito de outro condômino, como também a responsabilidade do condômino e do síndico, sendo este representante do condomínio.

Para evitar que esses problemas ocorram e também fornecer um plano de ação a ser seguido, existem regras que estabelecem procedimentos pelos quais todos os projetos de reforma e obra em condomínios devem passar, evitando prejuízos.

DIREITO DE PROPRIEDADE X DIREITO DE PASSAGEM

De acordo com a jurista brasileira Maria Helena Diniz, o direito de propriedade pode ser entendido como “o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha”. Para compreender melhor essa definição, vamos desmembrar essa definição em três:

Direito de uso sobre um bem: diz respeito ao direito de usufruir de um bem ou colocá-lo a disposição do uso de outro de pessoa, sem que essa possa modificar a substância do bem. Por exemplo, se você é proprietário de um imóvel, pode optar por usufruir dele, emprestá-lo ou alugá-lo.

Direito de gozo sobre um bem: significa ter direitos sobre os frutos ou rendimentos que esse bem fornece. Por exemplo, ter o direito sobre os frutos de uma laranjeira que nasce em sua propriedade; ou ter direito sobre os rendimentos do aluguel de um imóvel que é seu.

Direito de dispor: este é o direito que mais expressa o domínio/posse sobre o bem. Significa que você pode optar por vendê-lo, doá-lo ou trocá-lo.

O direito de propriedade, que é um instituto jurídico, pode ser compreendido na Constituição brasileira no artigo , nos incisos XXII, XXIII. XXIV, XXV, XXVI, XXVII, XXVIII, XXIX, XXX e XXXI. Assim, aborda em seu instituto o direito de herança, direito autoral, propriedade de inventos patentes e marcas e entre outros.

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (...)
Ar1707070. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (...)
III - função social da propriedade;
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (...)
2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Quanto ao direito de passagem, temos o seguinte entendimento;

Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso à via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.
§ 1o Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem.
§ 2o Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso à via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem.
§ 3o Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.

Devemos lembrar, que quando se trata de obra em condomínios, assim como a legislação pertinente, devemos nos direcionar pelo bom senso, nem o direito constitucional de propriedade e privacidade, deve ser mitigado, quanto o direito de utilizar via de acesso para intervenção em benefício da coletividade condominial poderá ser afastado. Sendo assim, o melhor é que a administração condominial, entre em acordo com os condôminos, para que seja permitida a passagem, em horário e condições pré-determinadas, sem o risco de atrasar a obra e preservando o direito fundamental de propriedade.

Artigo Jurídico de Bernardo César Coura, Advogado Especialista em Direito Imobiliário e Condominial pela FGV, Direito Contratual pelo CAD, Palestrante e Escritor, colaborador do Jornal do Síndico, Jus Brasil e Boletim do Direito Imobiliário.

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