Como vamos administrar socialmente essa enorme substituição de pessoas pelas máquinas? Há quem responda que já tivemos várias outras revoluções e nos reorganizamos, mas a que custo e quem efetivamente conseguiu se reorganizar? A pobreza e a fome ainda estão entre nós.
Confesso que tenho estado com um
pouco de medo dos avanços tecnológicos que temos feito. As ficções talvez
reforcem essa sensação, por exemplo, a série “Black Mirror”. O que assustava
ali não eram monstros ou a tecnologia em forma de robôs assassinos, era a
proximidade das histórias – levadas ao limite – com a realidade. Em um episódio
uma mulher desesperada fugia de uma perseguição e as pessoas em volta se
preocupavam em filmar com seus celulares.
Já temos visto isso em acidentes
e espetáculos nos quais filmar o momento é mais importante do que viver o
momento ou efetivamente prestar um socorro a alguém. Em outro episódio, uma
moça se desdobra para receber “likes” porque a quantidade de “likes” que cada
pessoa possuía determinava possibilidades importantes para suas vidas.
O número de seguidores já é hoje
um parâmetro importantíssimo, inclusive da possibilidade de ganhos financeiros.
E há o episódio no qual uma jovem perde seu marido em um acidente, compra um
aplicativo que, a partir das informações oriundas das redes sociais do marido
morto, simula conversas e permite que a viúva continue falando com ele através
desse recurso.
Hoje é possível reproduzir a
conversa de qualquer pessoa através das informações sobre ela disponíveis na
internet, e se uma parte significativa de nossas conversas habituais é remota,
o que significará “morrer” no futuro? Em um filme antigo filme de Arnold
Shwarzenegger não era preciso viajar, bastava comprar as memórias da viagem,
que ao fim e ao cabo é realmente tudo que nos resta das viagens, quando
voltamos. No filme “Ela”, o personagem se apaixona por um sistema operacional.
Cada vez mais temos ouvido as
coisas que a chamada “Inteligência artificial” – que para alguns não é
inteligência e nem é artificial – é capaz de fazer e já faz, dentre elas, por
exemplo, escrever textos, fazer apresentações ou colocar a voz de Freddie
Mercury cantando uma música dos Beatles que ele jamais cantou e jamais cantará –
pelo menos não nessa nossa dimensão. O autoatendimento já e uma realidade, mas
como vamos administrar socialmente, mas como vamos administrar socialmente essa
enorme substituição de pessoas pelas máquinas? Há quem responda que já tivemos
várias outras revoluções e nos reorganizamos, mas a que custo e quem
efetivamente conseguiu se reorganizar? A pobreza e a fome ainda estão entre
nós.
O passado, o futuro, as experiências,
as relações, as preocupações, os afetos, a educação, os empregos, a morte,
podemos e queremos mexer em tudo isso mesmo, sem freios e sem pensar nas consequências?
Indagar os rumos da tecnologia é somente uma pergunta de quem tem dificuldade
de compreender o novo e não indaga-la é somente irresponsabilidade que causará
problemas para nós mesmos?
Gosto de lembrar que nossas
bisavós muitas vezes olhavam para nossas avós e avôs e achavam que o mundo e a
juventude estavam perdidos. Talvez as mudanças que estamos fazendo sejam dignas
de medo mesmo.
Fonte: Monica Abrantes Galindo – É vice-diretora eleita da Unesp de Rio Preto, professora, conselheira do Conselho Afro Municipal, participante dos coletivos Mulheres na Política e CDINN- Coletivo de Intelectuais Negras e Negros. Jornal Diário da Região.
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