Se eu pudesse resumir o Direito em uma só expressão, eu resumiria: um enorme fingimento. O quadro é crítico. Estudantes fingem que aprendem; professores fingem que ensinam; advogados e defensores fingem que peticionam; promotores fingem que lutam por justiça; juízes e desembargadores fingem que julgam e ministros fingem que são legisladores.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) virou escravo da superação de metas. Os Tribunais, cada vez mais apoiados em suas jurisprudências defensivas, na mesma proporção, vangloriam-se do número de baixas.
E quando aos jurisdicionados? Podem se dar ao luxo de fingir que estão satisfeitos? De repente, os processos viraram nada mais que um amontado de números. Enquanto isso, os dramas alheios passaram a representar nada menos que um peso sobre a mesa.
A verdade, leitor, é que transformaram o Direito num compilado de “modelos” e “modelinhos” genéricos, como se cada controvérsia pudesse ser solucionada por uma fórmula matemática.
Não mais interessam os fatos e as provas. Ninguém ouve, ninguém lê. Interessa somente o que se pode copiar e colar. O curioso, se assim é possível dizer, é que, embora no Direito haja tanto fingimento, ainda assim, ao que parece, ninguém mais fala a mesma língua.
Isso porque, com raras exceções, andam cada vez mais hostis as relações entre os membros da Justiça. Nos bastidores, serventuários mostram-se desmotivados e indispostos a colaborar; juízes e promotores desdenham de advogados; advogados criticam juízes e promotores. Isso quando o ambiente forense não dá lugar a um verdadeiro ringue, no qual as vaidades individuais superam os limites discutidos nos autos.
Convém citar, também, a falta de preparo para as audiências e sustentações, o desconhecimento do teor dos autos e, muitas vezes, da própria lei.
Parece-me que a humanidade alcançou um nível tão elevado de desenvolvimento que o tempo todo precisamos ser lembrados do fato de que ainda somos... humanos. O ser contemplado por Shakespeare, em Hamlet, vem cedendo espaço para o parecer e o aparecer. Há quem esteja mais disposto a postar uma foto nas redes sociais com a legenda “Direito por amor”, do que enfrentar os desafios diários que esse mesmo Direito oferece.
Parafraseando o grande advogado criminalista João Ricardo Batista, “o direito é alheio, mas a luta tem que ser pessoal”. Desafortunado é aquele que fica à mercê de petições (muito) mal escritas e decisões pessimamente fundamentadas, como se aquilo que é escrito e/ou decidido não tivesse repercussão em sua mais íntima esfera, seja pessoal, patrimonial ou moral.
Por certo, há um enorme descompasso entre o que estabelece o Direito e aquilo que vem sendo feito na prática. Vivi para ler e ouvir gente (do Direito!) reclamando que, em nosso país, há direitos demais (!). Os mesmos que, por “coincidência”, sustentam ideias antidemocráticas e espalham notícias falsas e apocalípticas.
O Brasil, talvez, seja o único país do mundo a experimentar um fenômeno raro: o de possuir advogados criminalistas (!) que se posicionam fortemente contrários a uma decisão da Suprema Corte que, acerca do princípio da presunção de inocência, precisou reafirmar a literalidade do que diz o Texto Magno. É como se defendessem um algo e um alguém em que sequer acreditam. O que seria isso, além de um enorme fingimento? Uma defesa desacreditada, penso, é uma defesa perdida.
É claro que a generalização, não raras as vezes, anda de mãos dadas com a injustiça. O que pretendo dizer é que não se pode deixar de enaltecer o trabalho e a dedicação de vários profissionais que têm na luta pelo Direito uma missão de vida. Fica a esperança de que essas pessoas se multipliquem pelos próximos anos e sigam dando bons exemplos.
Já por concluir, considerando-se tudo o que neste texto fora brevemente exposto, certamente muito mais poderia ser dito. Esclareço, contudo, que não pretendo incutir no leitor o pensamento de que estou descrente em relação ao Direito e que, por isso, talvez eu devesse abandoná-lo. Também não quero que as palavras aqui esboçadas sejam vistas como um desestímulo a quem pretende seguir na área. Até porque, como dito acima, felizmente ainda há quem leve o Direito a sério.
O que proponho é seguinte reflexão: no que estamos transformando o Direito e aonde vamos parar com isso?
Árdua é a tarefa de tentar antever o futuro do Direito num mundo jurídico em que os estagiários e os assessores reinam soberanos, os algoritmos ganham voz e as aflições humanas perdem vez.
Precisamos, de forma imprescindível, dar, novamente, vida ao Direito, ou seja, entender que, acima de qualquer teoria, ou mesmo da própria lei, há sempre uma aflita alma humana buscando o reconhecimento do seu direito e, mais ainda, da sua dignidade. Larguemos o apego às burocracias e enterremos de vez os egos envaidecidos.
Resta-nos funcionarmos como formiguinhas, mudando e melhorando um pouco de cada vez; estudando e trabalhando de forma comprometida e, sobretudo, humanizada. Mais do que palavras belas jogadas ao vento, precisamos de ações. Até porque, como diz a célebre frase: “a palavra convence, mas é o exemplo que arrasta”.
Apesar de toda luta (e de todo o fingimento), vale a pena lutar pelo Direito.
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