Em tempos de pandemia, por razões que fogem às pretensões deste texto, inúmeras pessoas insistem em descumprir as recomendações de isolamento social. Outras, recusam-se a fazer uso de máscaras, mesmo quando frequentam locais públicos.
Nesse contexto, as ações dos Estados e Municípios, de modo geral, têm sido de extrema importância para a tentativa de conter o avanço do vírus.
Mais especificamente sobre a esfera municipal, há que ser feito o seguinte questionamento: os Municípios podem criminalizar as condutas daqueles que estão descumprindo as orientações do Ministério da Saúde e da OMS?
A resposta exige que relembremos alguns pontos.
Conforme determina o art. 30, inciso I, de nossa Constituição, compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.
Embora a CF/88 não esclareça o que vem a ser “interesse local”, nada impede que este esteja ligado a questões de saúde pública. Até porque, conforme prevê o inciso II, do mesmo art. 30, os Municípios poderão suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.
Assim, presente o interesse local e ausentes (ou incompletas) leis federais ou estaduais que tratem do tema associado à covid-19, perfeitamente possível que o Município cuide da matéria.
Mas será que tal raciocínio se aplica à criminalização de condutas?
A resposta é negativa.
Isso, pois, por expressa previsão constitucional, é competência privativa da União legislar sobre matéria penal (CF/88, art. 22, I).
O Texto Magno, embora permita que lei complementar possa autorizar os Estados a legislar acerca de questões específicas das matérias elencadas pelo art. 22, nada menciona sobre a possibilidade de os Municípios desempenharem semelhante papel, o que, por óbvio, faz presumir que não podem exercê-lo.
Reiterando: somente a União (aqui representada pelo Congresso Nacional) pode criminalizar (ou descriminalizar) condutas.
E como ficam os casos daqueles que desrespeitam as orientações de isolamento social e do uso de máscaras? Tais pessoas ficarão impunes?
Não!
Como vimos em outra oportunidade, o Código Penal Brasileiro prevê, em seu art. 268, o crime de infração de medida sanitária preventiva, que consiste em “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.
A pena, inicialmente, é de detenção, de um mês a um ano, além de multa.
A depender do caso concreto, também existem outras possibilidades, como aquelas respectivamente previstas nos artigos 131 (perigo de contágio de moléstia grave) e 132 (perigo para a vida ou saúde de outrem), ambos do Código Penal.
Além do mais, há quem entenda que, havendo desrespeito às regras atinentes à quarenta, como, por exemplo, a recusa ao fechamento de estabelecimentos que exercem atividades não essenciais, poderemos raciocinar, em tese, com a prática do crime de desobediência (art. 330, do CP).
Por fim, embora não tenham competência para legislar sobre matéria penal, entendo ser possível que os Municípios possam se utilizar de outros mecanismos para coibir as tentativas de desrespeito à quarentena, valendo-se, por exemplo, da aplicação de multas administrativas.
Até porque, a Constituição, salvo em alguns casos específicos, como aqueles que atribuem competência privativa da União para tratar de licitações, não conferiu a nenhum ente (nem de forma isolada, nem de forma concorrente) a atribuição para legislar sobre Direito Administrativo.
Por isso, havendo interesse local (como, de fato, há), não vejo impedimentos para que os Municípios, administrativamente, cuidem da matéria.
Desde, evidentemente, que não se utilizem de tal possibilidade para a elaboração de sanções penais veladas, bem como não contrariem normas federais e estaduais sobre o tema.
Inclusive, algumas cidades, tal como Florianópolis, já estão fazendo uso dessas medidas.
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Referências:
BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicaocompilado.htm. Acesso em 05/05/2020.
BRASIL. Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 05/05/2020.
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