domingo, 7 de maio de 2023

MOMENTO JURÍDICO - Funcionários públicos responsáveis por pessoa com deficiência têm direito a jornada reduzida: a decisão recente do STF é boa ou ruim?

 


Nos últimos dias de 2022 o STF concluiu julgamento do RE nº 1237867, gerando, em repercussão geral, o Tema nº 1.097, que assim estabelece: “Aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2º e § 3º, da Lei 8.112 /1990”.

É sabido que o Estatuto do Servidor Público Federal (Lei nº 8.112/1990) prevê que o servidor federal tem direito à redução de jornada, de 30 a 50%, quando atua como responsável por pessoa com deficiência.

No caso, discutia-se se essa previsão era extensiva também aos servidores estaduais e municipais, já que a lei mencionada é exclusiva dos servidores federais.

E, conforme restou decidido, é válida a aplicação da lei federal mesmo para servidores de outras esferas, com aplicação do “Princípio da Igualdade Substancial”, em vista da isonomia entre os membros do funcionalismo público em regime federativo.

A decisão reformou posicionamento anterior emitido pelo TJ/SP, que gerou o recurso, em que havia sido negado a servidora pública estadual a redução de carga de trabalho, sob o argumento de ausência de previsão legal nesse sentido, ao menos para a esfera estadual.

Em nosso entender, trata-se de decisão bastante polêmica, e reconhecemos ser tênue a linha que tensiona direitos aparentemente opostos.

De um lado tem-se a dignidade humana e, sem dúvida, a necessidade de a pessoa cuidar de dependente com deficiência.

De outro, tem-se a necessidade do serviço público, já historicamente em sobrecarga.

O pior, na verdade, foi o fato de o STF, mais uma vez, ter legislado, positivando uma regra que não existe para o funcionalismo estadual de São Paulo.

Não se pode dizer, ao menos a princípio, tratar-se de uma “omissão” do Estado de São Paulo em legislar sobre o tema, concedendo direitos. Pode ser uma opção por não conceder esse direito, sobre o qual, por correspondência, o próprio Estado teria um dever, uma obrigação, que, talvez, não se permitisse suportar.

Muito se tem dito, sobretudo na última década, sobre o “pacto federativo” e a necessidade de se outorgar autonomia aos Estados e Municípios, tremendamente dependentes da União Federal.

O STF, pelo menos do ponto de vista federativo, deu sinais muito bons de que valorizaria a efetiva federalização, sobretudo no período da pandemia do COVID-19, quando entregou as decisões e condutas justamente aos Estados e Municípios, o que consideramos correto, tendo em vista estarem muito mais próximos da realidade enfrentada.

Em outros momentos, porém, o mesmo STF força uma centralização junto à União, especialmente em matéria legislativa, sendo válido lembrar que o campo de proposição de leis dos Estados e Municípios já é bastante estreito na própria Constituição Federal.

Ora, se o Estado não pode nem mesmo decidir sobre os seus critérios do funcionalismo, o que sobrará para decidir nas Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais?

Quase treze anos atrás lançamos um livro intitulado “O Limite do Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário”, talvez já com uma intuição de que o STF avançava muito perigosamente no campo de atuação do Executivo, substituindo-o indevidamente de forma impositiva/propositiva, determinando ações que são típicas de políticas públicas, enquanto que o limite deveria ser negativo, ou seja, meramente para impedir opções ao Executivo.

Agora, estamos em um patamar muito mais degradado, com o Judiciário substituindo o próprio Legislativo, verdadeiramente criando leis estaduais, com imposição de direitos, obrigações e gerando consequências.

Não se trata nem mesmo de uma “cortesia com o chapéu alheio”, mas, talvez, de tomar definitivamente o chapéu do outro para si.

O STF cada vez mais enlouquece a dinâmica jurídica do país.

Por Bruno Barchi Muniz - Sócio advogado no escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados

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