domingo, 25 de dezembro de 2022

MOMENTO JURÍDICO - Contrato Administrativo - Aplicação de sanção em face da inexecução contratual

 

Procedimentos e reflexos para o Contratado.


A inexecução parcial ou total do contrato administrativo resulta, para a Administração Pública contratante, diversos dissabores. Atrasos ou paralisação nas entregas ou na prestação de serviço, itens que não condizem com o descrito no contrato administrativo ou na ata de registro de preços, não cumprimento de cláusulas contratuais etc. Seja qual for o motivo, a inexecução pode configurar descontinuidade dos serviços públicos e prejuízos para a Administração Pública.

O contrato administrativo, por seu turno, exige prévia licitação. Trata-se de um procedimento tendente a verificar a habilitação jurídica, qualificações técnica e econômico-financeira, regularidade fiscal e trabalhista dos participantes do certame, coleta de propostas e julgamento, considerando-se sempre as regras do edital de licitação. A partir deste julgamento, que deve ser objetivo, sem margens para subjetivismos e favorecimentos, o administrador homologará o resultado e firmará, se for necessário, o contrato pretendido com aquele que tenha se sagrado vencedor no certame.

O procedimento licitatório, embora vise o cumprimento dos princípios da igualdade, da moralidade, da publicidade, da legalidade e da eficiência, impedindo que a Administração contrate com base em interesses políticos ou subjetivos diversos, e conferindo, a todos os interessados, paridade de tratamento, pode resultar numa relação jurídica prejudicial para a contratante. Vale dizer: a contratada é pessoa habilitada (eis que passou pelos critérios de habilitação definidos no edital de licitação e nas leis pertinentes à matéria) e sua proposta, ao final, sagrou-se a mais vantajosa para a Administração (geralmente por haver sido a mais barata); porém, no decorrer da prestação do objeto do contrato, se demonstra desidiosa, totalmente desinteressada em prestar o serviço ou entregar o item contratado, chegando ao ponto de tornar a relação jurídica entre as partes, Administração contratante e contratada, insuportável.

O administrador, por seu turno, ciente de que o serviço público decorrente desta contratação não pode ser descontinuado, que eventual rescisão contratual exigiria um procedimento em contraditório, além de que uma nova contratação, a partir da rescisão daquela, poderia demandar novo certame licitatório, acaba por relevar a desídia da contratada, mantendo uma relação jurídica já insubsistente, até que aquele contrato seja, finalmente, encerrado em razão do término do prazo de duração. Desta forma, a inexecução decorreu de culpa da contratada, mas é a contratante, a Administração Pública, quem acaba por suportar todos os prejuízos causados.

Ocorre, porém, que cabe à Administração contratante fiscalizar a execução do contrato, cobrando, da contratada, a prestação integral e satisfatória do objeto. O art. 58, da Lei nº 8666/1993, bem como o art. 104, da Lei nº 14.133/2021 (a “nova lei de licitações e contratos administrativos”) conferem, à Administração, diversas prerrogativas, dentre as quais “fiscalizar sua execução” e “aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste”.

E mais: o art. 67, da Lei nº 8666/1993, bem como o art. 177, da Lei nº 14.133/2021, dispõem que a execução do contrato deve ser acompanhada e fiscalizada por um ou mais fiscais, representantes da Administração designados para tanto; e este fiscal anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas à execução do contrato, inclusive determinando, à contratada, o que for necessário para a regularização das faltas ou dos defeitos observados.

Ainda, o art. 87 da Lei nº 8666/1993, e o art. 156, da Lei nº 14.133/2021, permitem à Administração aplicar ao responsável pelas infrações administrativas e contratuais as sanções: advertênciamultaimpedimento de licitar e contratar e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar. Nestes casos, porém, o consenso doutrinário e jurisprudencial é de se exigir um procedimento administrativo prévio, com nomeação de comissão julgadora, notificação da contratada faltosa, prazo de defesa, parecer jurídico, decisão da comissão julgadora, decisão final da autoridade administrativa, prazo para recurso e, por fim, aplicação da penalidade. Um procedimento burocrático que pode resultar severo atraso na aplicação de penalidades devidas, enquanto a contratada permanece inerte.

Ainda assim, a Administração não deve, jamais, manter uma relação contratual que lhe seja prejudicial. Trata-se de prestação de serviços públicos, de satisfação do interesse público. O interesse público não deve ser sobrepujado pelo interesse privado. Constatada a inexecução total ou parcial do contrato por culpa da contratada, a Administração contratante deve agir sem demora.

Desta forma, em primeiro lugar, os dispostos nos arts. 67, da Lei nº 8666/1993, e 177, da Lei nº 14.133/2021, devem ser IMEDIATAMENTE observados. Isto é, constatadas as primeiras irregularidades (ainda que brandas), é de rigor a anotação das ocorrências nos registros da fiscalização contratual e a subsequente notificação da contratada. Tal notificação pode ser pela via postal, com aviso de recebimento, ou por qualquer meio que constitua inequívoca ciência da notificada – tais como aviso por aplicativos como o WhatsApp, e-mail com acusação de recebimento etc. O importante é que a notificação seja patente e fácil de ser comprovada.

É possível anotar, no texto da notificação, que o descumprimento das cláusulas contratuais poderá tipificar infração passível de advertência, de multa, de impedimento para licitar, de declaração de inidoneidade para licitar com todo e qualquer ente federativo, seja da Administração direta (órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário), seja da Administração indireta (autarquias, fundações ou, mesmo, empresas públicas). Anotar, também, que a inexecução contratual ensejará imediata abertura de procedimento administrativo para aplicação das penalidades de multa, de impedimento para licitar ou declaração de inidoneidade para licitar. Por fim, a notificação deve descrever, de forma clara e objetiva, qual é a irregularidade cometida pela contratada.

O importante é que a contratada esteja ciente de todos os possíveis prejuízos decorrentes de uma penalidade para que, assim, se acautele e busque prestar o objeto contratado da melhor forma possível, eis que eventual abertura de processo administrativo lhe restará pouca matéria para defesa. Afinal, a irregularidade cometida está anotada, está certificada pela autoridade fiscalizadora. A defesa da contratada, quando muito, se restringirá a alegar caso fortuito ou força maior - o que deve ser cabalmente demonstrado. De nada lhe adiantará confessar culpa e “prometer” cumprir o determinado. Na verdade, confessar a culpa apenas lhe dificultará a defesa em sede de processo administrativo que a contratante venha a instaurar posteriormente.

A mera notificação, justamente por não representar penalidade alguma, não faculta à contratada, então notificada, apresentar qualquer defesa ou justificativa. Trata-se, isto sim, de um aviso, um alerta de que a Administração não hesitará em aplicar as penalidades cabíveis. Esta notificação, portanto, deve ser clara, sem margem para interpretação, e deve ser facilmente comprovada. A nosso ver, pouca validade decorreria de uma notificação verbal, pessoal ou por telefone, ainda que diante de testemunhas.

É importante observar que tal notificação não deve ser confundida com a advertência. Isto por que o legislador considerou a advertência uma penalidade administrativa, o que obriga a formalização de um processo administrativo em contraditório, burocrático, para sua plena aplicação. Criou-se, ao que parece, uma “penalidade” que não impede a sancionada de manter o contrato, nem de licitar, nem lhe impõe qualquer ônus de natureza financeira, tornando-se, assim, uma medida praticamente inócua.

Pode-se dizer que a única restrição atribuída à penalidade da advertência é a possibilidade de registrá-la no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF, conforme previsto no art. 34, da instrução normativa nº 4/2018, da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal. Ainda assim, trata-se de uma penalidade com efeitos praticamente nulos à vida da contratada. A abertura de um procedimento administrativo burocrático para, ao final, aplicar somente uma advertência à contratada nos parece uma medida contraproducente; especialmente se considerarmos que uma simples notificação pode gerar praticamente o mesmo efeito.

A Lei Federal nº 10.520/2002, que instituiu a modalidade licitatória denominada Pregão, prevê, no art. 7º: “Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no SICAF, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4º desta Lei, pelo prazo de até 05 anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais”.

Veja-se que referido dispositivo não prevê a necessidade de abertura de um processo administrativo com a garantia do contraditório e da ampla defesa para que suas penalidades sejam aplicadas. Porém, é unívoco, nos tribunais pátrios, que tais sanções deverão ser precedidas de processo administrativo, da mesma forma que o definido na Lei Geral de Licitações, mormente o art. 9º dispor que se aplicam subsidiariamente, para a modalidade de pregão, as normas da Lei nº 8.666/1993. Ora! Se a aplicação de uma simples advertência exige tal procedimento, quanto mais as penalidades de impedimento para licitar e contratar com todo e qualquer ente da federação e o descredenciamento no SICAF.

Parte da doutrina entende que a aplicação da penalidade advertência não exige procedimento administrativo; ou, se o exige, não haveria necessidade de ser burocrático e dificultoso, bastando conferir ao contratado o direito de defesa. Curiosamente, a Nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/2021 – não previu a necessidade de processo administrativo para a aplicação da advertência. Porém, em razão da jovialidade desta Lei – sendo que, inclusive, muitos municípios optaram por permanecer aplicando a Lei nº 8666/1993 enquanto não decorrido o prazo para sua revogação (art. 193, II) – é provável que algumas alterações lhe sejam feitas ou, mesmo, que a doutrina e a jurisprudência interpretem de outra forma. Enquanto a Lei nº 8666/1993 permanecer em vigor, porém, é recomendável se valer de suas regras para aplicação de penalidades – inclusive a advertência.

Quanto às demais penalidades, o art. 157 da Nova Lei dispõe que, para aplicação de multa, será “facultada a defesa do interessado no prazo de 15 dias úteis, contado da data de sua intimação”; e o art. 158 prevê que a aplicação das sanções de impedimento de licitar e contratar e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar requererá a instauração de um “processo de responsabilização”, conduzido por comissão composta de dois ou mais servidores estáveis, e intimação da contratada para, no prazo de 15 dias úteis, apresentar defesa escrita. Além disso, o art. 156, § 6º, prevê que a aplicação da penalidade declaração de inidoneidade para licitar ou contratar será “precedida de análise jurídica”.

Consigne-se , mais, que a fiscalização não deverá recepcionar serviços ou produtos que desatendam ao descrito no edital e no contrato administrativo, determinando à contratada que refaça o serviço ou que entregue o item a contento. Eis o disposto no art. 76, da Lei nº 8666/1993: “A Administração rejeitará, no todo ou em parte, obra, serviço ou fornecimento executado em desacordo com o contrato”. Dispositivo semelhante é o art. 140§ 1º, da Lei nº 14.133/2021. Enquanto a contratada não cumprir o objeto do contrato, a Administração poderá suspender os pagamentos que lhe seriam devidos. E todas as ocorrências, inclusive a não recepção do objeto prestado em desconformidade com o contratado, devem ser relatados nos registros da fiscalização.

Assim, em resumo, constatada qualquer irregularidade cometida pela contratada, a primeira medida a ser tomada pela Administração contratante será anotar a ocorrência nos registros próprios mantidos pela autoridade fiscalizadora. Não há formalidade legal quanto aos registros, mas é recomendável que se descrevam as faltas e irregularidades em detalhes e de forma clara. A fiscalização poderá, ainda, recomendar à autoridade superior, nas mesmas anotações, que inicie processo administrativo para aplicação de penalidades.

Anotada a ocorrência, a Administração deverá notificar a contratada das irregularidades. Tal notificação deverá ser inequívoca e fácil de ser comprovada. Seu texto deve ser claro, descrevendo a irregularidade em detalhes e anotando que a Administração iniciará processo administrativo próprio para aplicação de penalidades. Entendemos importante, inclusive, que se descrevam os efeitos de cada penalidade – especialmente do impedimento para licitar e contratar e da declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração em geral.

Não só! O art. 337-L, da Lei nº 14.133/2021 tipifica como CRIME de fraude em licitação ou contrato: I - entrega de mercadoria ou prestação de serviços com qualidade ou em quantidade diversas das previstas no edital ou nos instrumentos contratuais; II - fornecimento, como verdadeira ou perfeita, de mercadoria falsificada, deteriorada, inservível para consumo ou com prazo de validade vencido; III - entrega de uma mercadoria por outra; IV - alteração da substância, qualidade ou quantidade da mercadoria ou do serviço fornecido; V - qualquer meio fraudulento que torne injustamente mais onerosa para a Administração Pública a proposta ou a execução do contrato. A pena é de reclusão de 04 anos a 08 anos e multa.

Assim, a depender da gravidade do ato, pode-se descrever na notificação que a irregularidade será levada ao conhecimento do Ministério Público e instaurado boletim de ocorrência em delegacia de polícia local para investigação e apuração do crime de fraude em licitação ou contrato, se for o caso.

Caso a contratada, mesmo após regularmente notificada, permaneça agindo de forma desidiosa, não restará à Administração outra medida, senão instaurar o processo administrativo necessário à aplicação de penalidades mais severas, além de rescindir o contrato ou cancelar a ata de registro de preços, a depender do instrumento contratual.

A instauração de dito procedimento não se trata de mera "prerrogativa", mas de dever do Administrador. O art. 82, da Lei nº 8666/1993, determina que “os agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com os preceitos desta Lei ou visando a frustrar os objetivos da licitação sujeitam-se às sanções previstas nesta Lei e nos regulamentos próprios, sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar”. O art. 83 ainda dispõe: “os crimes definidos nesta Lei, ainda que simplesmente tentados, sujeitam os seus autores, quando servidores públicos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo”.

O Tribunal de Contas da União – TCU, em Acórdão: 2077/2017 – Plenário, assim enunciou: “A apuração das condutas faltosas praticadas por licitantes não consiste em faculdade do gestor público com tal atribuição, mas em dever legal. (...)” (GRIFAMOS).

E mais:

Jurisprudência do TCU – Acórdão nº 754/2015 – Plenário “(...): 9.5.1. orientem os gestores das áreas responsáveis por conduzir licitações, inclusive os dos órgãos sob seu controle de atuação administrativa e financeira, para que autuem processo administrativo com vistas à apenação das empresas que praticarem, injustificadamente, ato ilegal tipificado no art.  da Lei 10.520/2002 e alertem-nos de que tal dispositivo tem caráter abrangente e abarca condutas relacionadas não apenas à contratação em si, mas também ao procedimento licitatório e à execução da avença; 9.5.2. divulguem que estão sujeitos a sanções os responsáveis por licitações que não observarem a orientação do item 9.5.1 deste acórdão”. (GRIFAMOS)

Em outra oportunidade, o TCU se manifestou orientando que, caso o gestor decida pela não aplicação de sanção, tal situação deve ser devidamente justificada nos autos do processo (Jurisprudência do TCU, Acórdão: 1793/2011 – Plenário).

Assim, não há qualquer justificativa para a Administração manter uma relação contratual que lhe seja prejudicial. Não cabe à Administração simplesmente aguardar o encerramento do contrato pelo prazo determinado, enquanto sofre com a desídia da contratada. Embora a Lei determine que a rescisão unilateral do contrato administrativo e a aplicação de penalidades devam preceder de processo administrativo em contraditório, a característica burocrática e dificultosa deste processo não deve, jamais, impedir a Administração de agir.


Fonte: Moises Gonçalves / Procurador Jurídico Municipal - Jus Brasil.

(Postado em SJRP-SP)



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