Está cada vez mais difícil queimar livros. As churrasqueiras estão à disposição dos queimadores que fazem rituais gravados e dispostos nas redes sociais. Com áudio e direito a um ou outro palavrão. Contudo a plataforma de tinta e papel está em fase de desaparecimento. Pergunte em uma banca de jornais quantos exemplares são vendidos diariamente. Vai se surpreender com a magreza das vendas. É verdade que uma nova plataforma está em ascensão e assinaturas digitais crescem. Sem isso as empresas de jornalismo estão condenadas a desaparecer. Os livros seguem na mesma direção, com mais lentidão, é verdade. O apego ao papel e tinta ainda é muito grande e os substitutos eletrônicos, como os tablets, ainda não conquistaram a mente e o bolso dos leitores. Mas ainda assim é cada vez maior a quantidade de títulos publicados no formato e-book ou áudio book. Assim, como será possível queimar um livro ? Jogar o celular ou o tablet na churrasqueira vai dar um prejuízo enorme, ainda que os incendiários possam gozar ao queimar uma obra, tenha ela que conteúdo tiver. Mas queimar bits e bytes não tem o mesmo efeito pirotécnico de queimar papel, páginas, capas e as fotos do autor. Por isso, dada a mudança tecnológica, a sanha de impedir que uma ideia, seja qual for, circule na sociedade está com os dias contados. A imbecilidade não. Esta independe do carvão, fósforo, álcool e churrasqueira. É movida a ódio.
A dificuldade de impedir que obras circulem não é nova. No Egito dos faraós as façanhas desses reis-guerreiros eram descritas em papiros ou pinturas nas paredes. E também nos monumentos de pedra. Tudo em hieróglifo. Vez por outro o sucessor mandava “queimar” os relatos contidos nesses documentos. Queimava os papiros, raspava a pintura, mas e as inscrições nas pedras? Não havia churrasqueira que bastasse. Para isso era suficiente uma maça e um cinzel. Muito mais simples era a censura na vizinha Mesopotâmia. A maior parte dos textos eram impressos em tabuinhas de barro. Para impedir que a história circulasse não precisava de churrasqueira, bastava deixar o “livro” cair no chão. Acidentalmente ou não. Contudo, nada excita mais o fogo do que o papel. Mesmo que seja de arroz e não de eucalipto tirado dos plantations no Brasil. O imperador chinês Chi Huangdi decide ao mesmo tempo impedir a propagação de obras que não sejam legalistas e iniciar um ciclo novo, como se tudo estivesse começado com o seu reinado. Bibliotecas de livros de papel de arroz viram cinzas. Muito pouca coisa escapa, algumas delas apenas na cabeça de intelectuais que decoraram as obras para depois reescrevê-las. Com o risco da própria vida. Um Fahrenheit 451 chinês.
Ao longo da história inúmeras bibliotecas são queimadas. Mas nada representa melhor a ameaça e a censura que a queima de livros lideradas pelos nazistas. Em Berlim a fogueira foi maior. Comemoram a chegada ao poder em 1933 do novo chanceler da República de Weimar: Adolf Hitler. A sanha da queima de livros sobrevive no mundo contemporâneo. Uma citação, uma proposta, uma ideia, um conto de ficção são os motivos para a churrasqueira. Mesmo sem o equipamento flambante o radialista Tommy Charles inicia uma campanha para recolher livros, revistas, fotos destinados à fogueira. Aceita também, discos, álbuns e souvenir. Vale tudo o que pega fogo. A execução das obras se dará na cidade de Birmingham, Inglaterra, e o dia combinado é quando chegar para uma apresentação um quarteto de jovens de Liverpool. Os Beatles devem ser recebidos com a repulsa da população, segundo o radialista, por ter o porta voz do grupo, um tal de John Lennon, ter afirmado que o conjunto é mais conhecido que Jesus Cristo. Acendam a churrasqueira. !!!!
Fonte: Heródoto Barbeiro é âncora do Jornal da Record News em multiplataforma
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