Doença preexistente não é óbice à contratação de um plano de saúde, porém a operadora poderá estipular a suspensão da cobertura por até 24 meses.
Começo esse texto respondendo a dúvida do título: doença preexistente não é óbice à contratação de um plano de saúde, conforme a lei 9.656/98, artigo 11:
Art. 11. É vedada a exclusão de cobertura às doenças e lesões preexistentes à data de contratação dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei após vinte e quatro meses de vigência do aludido instrumento contratual, cabendo à respectiva operadora o ônus da prova e da demonstração do conhecimento prévio do consumidor ou beneficiário. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Parágrafo único. É vedada a suspensão da assistência à saúde do consumidor ou beneficiário, titular ou dependente, até a prova de que trata o caput, na forma da regulamentação a ser editada pela ANS. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
De acordo com o artigo supramencionado, a operadora pode estipular a suspensão de cobertura por até 24 meses para a doença ou lesão preexistente (DLP), sendo que nesse período o beneficiário não terá direito a procedimentos mais complexos relacionados à DLP. Exemplificando, se o beneficiário possui câncer no momento da contratação do plano de saúde, a operadora poderá aplicar a cobertura parcial temporária (CPT) por até 24 meses e o usuário não poderá realizar cirurgias, internações ou tratamentos decorrentes desse câncer, durante esse período.
Mas vamos entender um pouco mais desse complicado tema, a partir do conceito de doença preexistente:
Doença preexistente
De acordo com a Resolução Normativa 162/07, artigo 2º, I, são “doenças ou Lesões Preexistentes (DLP) aquelas que o beneficiário ou seu representante legal saiba ser portador ou sofredor, no momento da contratação ou adesão ao plano privado de assistência à saúde, de acordo com o art. 11 da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, o inciso IX do art 4º da Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000 e as diretrizes estabelecidas nesta Resolução”.
Veja que a legislação especifica como doença ou lesão preexistente aquela que a pessoa ou seu representante legal saiba ser portador, ou seja, é a ciência da doença no momento da contratação ou adesão ao plano, e não a existência da doença em si. Isso se justifica porque a pessoa pode não ter conhecimento da patologia e ainda não ter havido sua manifestação no momento da contratação ou adesão ao plano.
Para ratificar esse entendimento, exponho a resposta do Conselho Federal de Medicina (CFM), ao ser instado a se manifestar no Processo-Consulta CFM nº 0955/96.
O CFM se pronunciou sobre a dificuldade de se identificar o exato momento “em que o organismo abandona a higidez e transpassa o portal da doença”, uma vez que muitas doenças se desenvolvem silenciosamente até sua detecção. Considerou que:
A doença preexistente é um conceito relativo, porque sempre se dará em relação a um fato. No caso concreto desta consulta, o ponto referencial será o da assinatura do contrato. Se é difícil, se não impossível sob a ótica médica determinar com exatidão a preexistência de uma doença; isto já não ocorre do ponto de vista jurídico, onde valerá todo o conhecimento por parte do segurado em relação à sua saúde quando do momento da assinatura do contrato e da concomitante informação, se assim for solicitado.
Ressalto que o importante é o conhecimento da doença preexistente. Assim, o consumidor tem o dever de informar sobre sua condição quando do preenchimento da declaração de saúde.
Por conseguinte, caso o consumidor tenha conhecimento prévio de que é portador de alguma patologia e a omite dolosamente, sua omissão dolosa é considerada fraude contratual, passível de provocar a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, conforme disposto no artigo 13, II, da lei 9.656/98.
Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
II - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência; e (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
No mesmo sentido, a Resolução Normativa 162/07 prevê, em seu artigo 5º, que o beneficiário “deverá informar à contratada, quando expressamente solicitado na documentação contratual por meio da declaração de saúde, o conhecimento de DLP, à época da assinatura do contrato ou ingresso contratual, sob pena de caracterização de fraude, ficando sujeito à suspensão da cobertura ou rescisão unilateral do contrato, nos termos do inciso II do parágrafo único do art. 13 da Lei nº 9.656, de 1998. (Redação dada pela RN nº 200, de 2009)”.
A exigência do preenchimento da Declaração de Saúde
Trata-se do preenchimento de um formulário, elaborado pela operadora, com fins a obter informações sobre as doenças ou lesões de que o beneficiário saiba ser portador no momento da contratação ou adesão ao plano. Caso o contratante tenha alguma doença, é obrigado a informar essa situação.
A declaração de saúde, preenchida pelo consumidor quando da contratação do plano de saúde, servirá de base para a aplicação da cobertura parcial temporária ou agravo, conforme artigo 11, da lei 9.656/98.
Para auxiliá-lo no correto preenchimento da declaração, o consumidor poderá ser orientado, sem qualquer ônus, por um médico indicado pela operadora, ou optar por um profissional de sua livre escolha, assumindo, nesse caso, o ônus financeiro.
De acordo com a RN 162/07, artigo 10, parágrafo único, a declaração de saúde “deverá fazer referência, exclusivamente, a doenças ou lesões de que o beneficiário saiba ser portador ou sofredor no momento da contratação, não sendo permitidas perguntas sobre hábitos de vida, sintomas ou uso de medicamentos”.
Ademais, o artigo 11 determina que o formulário deve conter perguntas ou itens a assinalar, redigidos em linguagem simples, de uso comum, evitando termos técnicos ou científicos pouco conhecidos, de uso restrito ao ambiente acadêmico ou profissional, oferecendo campo para que seja registrado:
I - se o preenchimento contou com a presença de médico orientador, o que deve ser registrado de próprio punho por este profissional, em campo específico;
II - se o beneficiário dispensou a presença do médico orientador;
III - comentários e informações adicionais, a respeito das questões formuladas, que o beneficiário entenda importante registrar; e
IV - identificação do beneficiário, assinatura e data de preenchimento da declaração.
Oportuno destacar que em relação à dispensa do médico quando do preenchimento da declaração de saúde, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp 1554448/PE, Rel. Ministro João Otávio Noronha, 18/02/2016, decidiu que “a inserção de cláusula de renúncia em declaração de saúde é abusiva por induzir o segurado a abrir mão do direito ao exercício livre da opção de ser orientado por um médico por ocasião do preenchimento daquela declaração, notadamente porque se trata de documento que tem o condão de viabilizar futura negativa de cobertura procedimento ou tratamento”.
Por fim, a operadora não poderá solicitar o preenchimento da declaração de saúde quando houver a contratação ou adesão de plano em substituição a outro ao qual o beneficiário, titular ou não do plano, permaneceu vinculado por período superior a 24 (vinte e quatro) meses, desde que na mesma operadora, na mesma segmentação e sem interrupção de tempo, não cabendo alegação de doença ou lesão preexistente, cobertura parcial temporária ou agravo.
Fraude contratual e ônus da prova
A lei 9.656/98, artigo 11, dispõe que cabe à “operadora o ônus da prova e da demonstração do conhecimento prévio do consumidor ou beneficiário” acerca da doença ou lesão preexistente.
A previsão legal, considera a boa-fé objetiva que orienta os contratos, e deixa a cargo da operadora o ônus de provar a má-fé do beneficiário, uma vez que essa não se presume, motivo pelo qual reputa-se que o consumidor não tinha ciência da doença preexistente.
Ao dispor que cabe à operadora o ônus da prova, a lei 9.656/98 privilegia a vulnerabilidade do consumidor, conforme diretriz do Código de Defesa do Consumidor. Assim, a operadora deve comprovar a fraude contratual do consumidor pela omissão da doença preexistente, demonstrando que o beneficiário agiu de má-fé.
Outro ponto importante a destacar é que não é permitido à operadora a alegação de informação de doença preexistente quando for realizado exame ou perícia para contratação do plano. É o que determina a RN 162/07, artigo 5º, parágrafo 4º:
§ 4º É vedada a alegação de omissão de informação de DLP quando for realizado qualquer tipo de exame ou perícia no beneficiário pela operadora, com vistas à sua admissão no plano privado de assistência à saúde.
A Apelação 1009318-78.2015.8.26.0223, julgada no TJSP, Rel. Eduardo Sá Pinto Sandeville, 13/12/2018, decidiu que “ainda que exista declaração de saúde preenchida, e omissa a doença preexistente, a empresa não aferiu as reais condições de saúde do proponente, assumindo, assim, os riscos da sua atividade. Desta feita, torna-se obrigatória a cobertura requerida”.
No mesmo sentido, dispõe a Súmula 609-STJ: a recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado. STJ. 2ª Seção. Aprovada em 11/04/2018, DJe 17/04/2018
E, ainda, o Enunciado nº 25 da 1ª Jornada de Direito da Saúde do CNJ determina que “É abusiva a negativa de cobertura de procedimentos cirúrgicos de alta complexidade relacionados à doença e lesão preexistente, quando o usuário não tinha conhecimento ou não foi submetido a prévio exame médico ou perícia, salvo comprovada má-fé”.
Concluindo, é lícito à operadora recusar a cobertura contratual desde que:
1) Tenha solicitado exames e perícia médica ao usuário antes da assinatura do contrato, constatando-se que ele possuía doença ou lesão preexistente;
2) Na ausência de exames e perícia prévia, a operadora deverá comprovar (já no curso do contrato) que o consumidor agiu de má-fé e omitiu dolosamente a existência da doença.
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