sexta-feira, 27 de março de 2020

A sucata como História


A Estrada de Ferro Madeira Mamoré ou simplesmente “Ferrovia do Diabo” em Porto Velho, capital de Rondônia, foi uma daquelas obras que marcaram a história de toda a humanidade. Foi. No passado mesmo, pois a mesma deixou de existir já faz um bom tempo. O desrespeito aos seus construtores e à própria origem da capital dos rondonienses é algo jamais imaginado em qualquer sociedade minimamente civilizada. O cemitério de locomotivas, esquecido e apodrecendo a céu aberto, parte o coração de quem ainda tem coragem de caminhar entre as “tetânicas ferrugens” que lhe adornam. Rondônia perdeu a sua História para o descaso, para a irresponsabilidade. Hoje os pedaços que restaram da histórica ferrovia estão sendo vendidos como sucatas. O que restou de seus trilhos “defende” muitas casas. Seu outrora brilho internacional apagou.

“Os rondonienses não servem nem para defender suas origens” é a impressão que se tem. Diferentes de outros povos como os europeus, que hoje ganham fortunas mostrando a turistas e visitantes as suas grandiosas obras do passado. E um passado que algumas vezes ultrapassa os milhares de anos. A EFMM tem pouco mais de cem anos. E já está totalmente destruída e aniquilada. A enchente histórica de 2014 deu o tiro de misericórdia na velha ferrovia. Hoje a prefeitura de Porto Velho está “escavacando por lá” para fazer não se sabe ainda o quê. O PT gastou 11 milhões de reais na praça para que os desocupados continuassem cagando nela. Enquanto a China gasta uma semana para construir um enorme hospital devido à crise do coronavírus, os remendos e consertos na velha Madeira Mamoré demoram meses e até anos. Esperando as eleições?

O que se percebe é que para o mundo, a abandonada ferrovia tem História e importância. Já para muitos rondonienses não passa de um lixo, de algo descartável. Toda festa ou comemoração que lá se faz, toneladas de dejetos são jogadas na grama. Guardadas as devidas proporções, é como se fosse as ruas de Porto Velho para a Banda do Vai Quem Quer: quantidades de lixo, monturo e sujeira é o presente que fica toda vez que o bloco desfila. Na EFMM a imundície e a carniça abundam como se aquilo fosse uma terra de ninguém. E se for a “mãe de Rondônia” como muitos dizem, teve o desprazer de ser estuprada silenciosamente por seus ingratos filhos. Se o diabo atentasse e eu fosse rondoniense teria vergonha de dizer que “aquilo” é um patrimônio histórico do lugar onde nasci. Tenho certeza de que qualquer povo, por mais rústico, se acanhava.

Em 2020, Porto Velho terá eleições para prefeito e vereadores. Mas de 20 pré-candidatos estão na corrida. Não se sabe ainda o porquê de uma cidade tão abandonada, tão saqueada, tão desprezada, tão cheia de lama e alegações, tão problemática, ainda desperta o desejo de muitos para lhe administrar. Aqui só se veem problemas. A melhor época do ano nestas distantes terras são as férias de dezembro e janeiro quando “enxurradas” de porto-velhenses invadem as praias do Nordeste e os estados e cidades mais civilizadas e organizadas do Sul do Brasil para passar as férias e postar fotos nas redes sociais. Sempre disse que em Rondônia não tem cultura. Pelo menos uma cultura própria que fosse a marca peculiar de sua gente. E agora desconfio que também não tem História. A não ser que o “açougue” João Paulo Segundo, a ponte escura, as hidrelétricas, que elevaram a conta de energia, e a ferrugem da EFMM sejam tradição.

Fonte: Jornalista Sérgio Pires / Porto Velho-RO.


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