sábado, 30 de maio de 2020

MOMENTO JURÍDICO - Quais crimes NÃO admitem tentativa?

Antes de respondermos à pergunta feita no título, é interessante que façamos uma breve revisão do que vem a ser, para fins de Direito Penal, o instituto da tentativa.
Imaginemos que João e Pedro sejam inimigos declarados. João, após muito refletir, decide matar Pedro. Para isso, toma emprestada a arma de um conhecido, a qual estava carregada com 3 munições.
Dias depois, João vai ao encontro de Pedro na residência deste, ocasião em que aponta e efetua seguidamente 3 disparos, errando todos.
Como dito, João tinha a clara e manifesta intenção de matar Pedro, mas não contava com o fato de que na “hora H” erraria os disparos.
O “problema” nisso tudo é que o Código Penal não prevê o crime de “tentar matar alguém”. Existe unicamente a figura do homicídio, prevista no art. 121.
Então João ficará impune?
A resposta, obviamente, é negativa.
Para essas e outras hipóteses é que existe a figura da tentativa.
A tentativa é a prática incompleta do tipo penal [1]. O sujeito não conseguiu, por circunstâncias alheias à sua vontade, ou seja, que não estavam sob o seu controle, obter a consumação do delito.
Mas, ainda assim, o seu comportamento foi reprovável o suficiente para merecer a atenção e a atuação do Direito Penal.
Nesses casos, conforme determina o artigo 14parágrafo único, do Código Penal, ao crime tentado será aplicada a pena do crime consumado, diminuída de um a dois terços.
O “problema” é que nem todos os crimes são compatíveis com a tentativa.
E quais são esses crimes? É o que veremos a seguir:

1) Crimes Culposos:

A culpa pode ser resumidamente entendida como a falta de um dever de cuidado. Os crimes culposos, como regra, não admitem tentativa por uma questão puramente lógica.
Na tentativa, o sujeito tem a intenção de obter certo resultado, mas não consegue por circunstâncias alheias à sua vontade. Por outro lado, na culpa, o nosso agente não tem a intenção de alcançar o resultado.
Assim, como se vê, não há compatibilidade entre os institutos.
Observação: Alguns autores entendem ser possível o reconhecimento da tentativa nos chamados crimes culposos impróprios (aqueles nos quais o agente pratica certa conduta entendendo estar amparado por causa excludente de ilicitude, quando, na verdade, não está. Apenas imaginou que estivesse. Há um equívoco sobre a situação de fato. Porém, o tema não é pacífico e a discussão foge às pretensões do presente texto.

2) Crimes preterdolosos:

Haverá preterdolo sempre que o agente pratica uma conduta dolosa (antecedente) mas, em razão de um excesso cometido, culposamente atinge um resultado inicialmente não pretendido.
Exemplo clássico é o crime de lesão corporal seguida de morte. A intenção inicial era lesionar. Contudo, culposamente o agente acaba levando a vítima à morte.
Resumindo: preterdolo = dolo antecedente + culpa consequente.
Como acabamos de estudar, a culpa é incompatível com a tentativa. Assim, se o preterdolo também possui uma fase (ou elemento) culposo, também é de se presumir que seja ele incompatível com a tentativa.

3) Crimes omissivos próprios:

Haverá omissão própria sempre que a lei determinar que o sujeito aja em determinadas situações e ele simplesmente não age, fica inerte.
Exemplo clássico de crime omissivo próprio é a Omissão de Socorro, que tem previsão no artigo 135 do Código Penal.
Logo, também por decorrência lógica, os crimes omissivos próprios são incompatíveis com a tentativa. A razão é simples: ou o agente age ou não age. Se agir quando devia, não há crime. Se não agir, haverá crime.
Não existe “tentar não agir”. A omissão em si mesma leva à consumação do crime.

4) Crimes unissubsistentes:

São aqueles crimes que se consumam num único ato. Não há como serem fracionados os atos de execução.
Exemplo frequentemente citado é o da injúria verbal [2]. Ou o sujeito realizou a ofensa e o crime foi consumado ou não realizou a ofensa, ocasião em que sequer haverá crime, já que, pelo chamado princípio da ofensividade, o Direito Penal não pode punir meros pensamentos.

5) Crimes habituais:

São aqueles cuja caracterização exige a reiteração por parte do agente, a exemplo do crime de curandeirismo, previsto no art. 284 do Código Penal.
Logo, sempre que houver a reiteração, o delito estará consumado.
Assim, por consequência lógica, ou o sujeito reiterou o seu comportamento e consumou o delito, ou não reiterou, ocasião em que não se falará em crime habitual.
Se não há crime habitual, também não poderá se falar em tentativa de praticar certo crime habitual.

6) Crimes de atentado:

São aqueles crimes nos quais as modalidades consumada e tentada são punidas da mesma forma, ou seja, recebem a mesma pena.
Situação clássica, tal como já analisado por aqui em outra oportunidade, é aquela prevista no artigo 352 do Código Penal, dispositivo que prevê o crime de evasão mediante violência contra a pessoa.
Consiste em evadir-se ou tentar evadir o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa, sendo punível com pena de detenção, de 3 meses a 1 ano, além da pena correspondente à violência.
Nesse caso, não há tentativa porque esta faz parte da própria essência, da própria natureza do delito. Ou seja, a própria tentativa constitui um crime.
Assim, seria ilógico concebermos uma “tentativa de tentativa” [3].

7) Contravenções Penais:

Embora crimes e contravenções penais não sejam a mesma coisa, ambas pertencem ao gênero infração penal (infrações penais = crimes + contravenções penais).
Nesse sentido, a Lei das Contravencoes Penais expressamente prevê, em seu artigo , que as tentativas de contravenção não são puníveis.
O que se extrai disso é que, mesmo havendo possibilidade de um sujeito praticar uma contravenção penal na modalidade tentada, esta, por opção do legislador, não receberá punição alguma.
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 Talvez você se interesse pelos seguintes textos:
 Referências:
 [1]; [2] e [3] Bitencourt, Cezar Roberto. Parte geral / Cezar Roberto Bitencourt. – Coleção Tratado de direito penal volume 1 - 26. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020. E-book.
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