sábado, 3 de outubro de 2020

MOMENTO JURÍDICO - Apreensão de passaporte por dívida: saiba como funciona

 


A possibilidade de perder o passaporte por dívida



Tornou-se cada vez mais comum as pessoas comentarem sobre a possibilidade de busca e apreensão por dívida no Brasil.

Das muitas medidas atípicas que podem ser requisitadas em um processo de execução, a apreensão de passaporte se tornou uma das mais polêmicas, ao lado é claro da apreensão de CNH (que ganhará outro artigo, em razão de ser mais específico).

Apesar de parecer algo completamente errado para alguns, a medida vem aos poucos ganhando força no judiciário, alguns magistrados tem aceitado sua aplicação. Contudo, é uma medida séria que requer um empenho do advogado da causa, em demonstrar a necessidade no caso concreto.

Eu sei, parece complicado de entender, mas garanto tornar o assunto mais simples de ser compreendido.

Por isso, nesse artigo você vai aprender:

  • O que é a medida de apreensão de passaporte
  • Como funciona na prática
  • Resultados práticos
  • Se os juízes tem aplicado a medida

Além disso, no final do artigo tem um caso concreto muito interessante para você visualizar a explicação com clareza 😉

O que é apreensão de passaporte do devedor?

Quando uma pessoa tem um processo de execução (cobrança de dívida) contra ela, seja de natureza civil ou trabalhista e não há o pagamento do valor cobrado $ de forma espontânea, o credor tem o direito por lei, de requerer o que chamamos de medidas coercitivas.

As medidas coercitivas são uma forma de “obrigar” o devedor a pagar, ou seja, ele (a) irá sofrer com determinações do juiz que possuem o fim de que haja o pagamento dos valores.

Tais medidas podem ser em forma de: penhora de dinheiro, bens móveis e imóveis, bloqueios de direitos, dentre outros.

Todas essas medidas são para forçar o devedor a pagar, fazendo que ele entenda que se não pagar, diversos campos da sua vida serão afetados.

Dentre, as medidas coercitivas há uma divisão, nessa imagem é possível entender melhor:

As medidas típicas são as mais comuns, como penhora de dinheiro e apreensão de veículo.

Mas, com o passar dos anos, passaram a ser adotadas medidas não comuns, como a apreensão de passaporte.

Isso quer dizer, que se o devedor não pagar, o credor poderá requerer ao juiz que haja a apreensão do passaporte para que o devedor se sinta forçado a pagar o débito.

Essa medida começou a se tornar popular nos processos de execução diante do grande número de devedores no judiciário.

Como funciona na prática

Como explicado anteriormente, quando não há o pagamento espontâneo, o credor poderá requerer diversas medidas coercitivas.

Primeiramente, devem ser requeridas as medidas típicas, como penhora de dinheiro, de veículos, bens imóveis, dentre outros.

Quando nenhuma dessas medidas é efetiva, a medida de apreensão de passaporte pode ser requerida.

Então, é preciso entender que existe todo um percurso a ser percorrido no processo, não é questão do devedor não pagar, que automaticamente o bloqueio do passaporte poderá ser realizado.

O processo de execução é composto por fases, por isso não adianta requerer uma medida atípica logo no começo da ação, seria um erro de principiante.

Essa medida se tornou mais conhecida em 2018, quando o STJ reconheceu como válido o bloqueio de passaporte como meio coercitivo para pagamento de dívida.

O devedor acabou tendo o passaporte e a CNH apreendidos e recorreu ao órgão superior para tentar resolver a situação.

Com a imediata repercussão desse caso, diversos outros credores passaram a requerer a medida em seus processos, usando a decisão do STJ como embasamento.

Resultados práticos

A grande verdade é que o passaporte não é um documento que todas as pessoas possuem, não é como o RG, apenas pessoas que costumam viajar ou tem uma vida financeira mais elevada que possuem tal documento.

A partir desse raciocínio, podemos chegar a conclusão de que se utilizar dessa medida para cobrar um devedor que sequer tem passaporte, não terá a menor validade.

Contudo, existe uma parcela de devedores, que chamamos de “devedores ostentação”, que por vezes escondem patrimônio e frustram o processo de execução.

Esse tipo de devedor é o alvo 🎯 em uma apreensão de passaporte.

Imagine que o devedor é um empresário, que você sabe que viaja constantemente fechando negócios, mas que quando teve suas contas vasculhadas, não foi encontrado nada.

Essa pessoa é um alvo perfeito para essa medida, afinal de contas se o seu passaporte for apreendido, ele não poderá viajar e isso frustrará seus negócios. Consequentemente, irá se sentir mais forçado a pagar a dívida.

Acaba sendo uma medida psicológica quando autorizada pelo juiz, afinal sabemos que muitas pessoas de classe econômica mais elevada, não abrem mão de uma viagem internacional ao menos uma vez ao ano.

Entendimento dos juízes

Não adianta eu explicar todo o funcionamento da medida e dizer que todo juiz aceita, eu estaria mentindo.

Na verdade, cada juiz tem seu entendimento sobre isso, alguns são a favor e outros acreditam ser algo excessivo.

Apesar do STJ já ter proferido decisão reconhecendo a aplicação da medida, muitos juízes preferem não aplicar a medida com receio do devedor ingressar com um habeas corpus para que a medida seja revogada.

A apreensão de passaporte não é um entendimento pacificado nos tribunais brasileiros, é comum em diferentes estados haver esse conflito de entendimento.

Entretanto, isso não é motivo para não requisitar ao juiz.

Em um processo de execução, todas as medidas devem ser tentadas. Se você tiver medo do que o juiz vai dizer, seu processo nunca irá para frente.

Execução funciona com base em boas fundamentações e uma postura ativa do profissional que cuida do processo, então medo ou receio não cabe aqui.

Caso concreto

Gosto de trazer casos concretos para ilustrar e ficar mais fácil a visualização do assunto.

Um caso interessante, aconteceu no Distrito Federal em 2017, em que um credor estava cobrando uma empresa desde 2015 sem sucesso.

Até que os advogados decidiram requerer a suspensão da CNH, apreensão do passaporte e o cancelamento de todos os cartões de crédito dos sócios da empresa.

Apenas um parênteses nessa questão (na execução trabalhista é possível atingir de forma mais fácil e rápida o patrimônio do devedor, já na execução cível, esse procedimento requer processo próprio e diverso da ação principal).

O juiz de primeiro grau (aquele que trata primeiro do processo) entendeu não ser cabível a utilização dessas medidas, que seriam extremas.

O credor não se contentou com a decisão do juiz e recorreu ao tribunal superior do DF.

Ao recurso ser julgado, os desembargadores, ao julgarem o recurso, entenderam de modo diverso do juiz, declarando ser possível a aplicação das medidas pleiteadas.

Na questão do passaporte, declararam ser uma medida razoável e proporcional, uma vez que a limitação de ir e vir se restringe aos países que exigem o documento para seu ingresso e desse modo não gera prejuízo.

Um entendimento extremamente condizente com a realidade e que foi autorizada.

Se o advogado tivesse se conformado com a decisão do juiz, nunca teria conseguido a apreensão do passaporte dos devedores.

Para quem é advogado e quer a jurisprudência para usar como embasamento:

PROCESSO CIVILAGRAVO DE INSTRUMENTOCUMPRIMENTO DE SENTENÇASUSPENSÃO DE CNH E APREENSÃO DOS PASSAPORTES DOS EXECUTADOSFINALIDADE DE COMPELIR AO PAGAMENTO DE DÍVIDAPOSSIBILIDADEDIREITO DE LOCOMOÇÃO DO DEVEDORNÃO VIOLADO. 1. O novo CPC prevê expressamente cláusula geral, seja no artigo 139, inciso IV, ou no artigo 301, que permite deferir qualquer medida capaz de dar efetividade às decisões judiciais, inclusive nas demandas que tenham por objeto a prestação pecuniária, ampliando, assim, as possibilidades para o magistrado, como condutor do processo, alcançar a efetividade nas execuções. 2. A suspensão das CNHs e a apreensão dos passaportes dos executados não violam nenhum direito fundamental, já que não estão eles sendo privados de seu direito de ir e vir, mas apenas se lhes impondo medida restritiva de direito, com fulcro coercitivo com o fim de se dar efetividade à decisão judicial. 3. Agravo de instrumento conhecido e parcialmente provido (TJ-DF 0700302-26.2017.8.07.0000 DF 0700302-26.2017.8.07.0000; 6ª Turma Cível; Publicado no DJE : 16/06/2017; Julgamento: 5 de Maio de 2017; Relator: CARLOS RODRIGUES)

O interessante é que o entendimento dos desembargadores foi muito claro, afinal de contas os devedores não tiveram sua liberdade de ir e vir restringida totalmente, apenas não poderiam adentrar em países que exigissem o visto.

Conclusão

Como dito acima, a possibilidade de apreender o passaporte não é um entendimento pacificado nos tribunais brasileiros.

Cada processo é diferente e o juiz irá analisar se as condições para adotar a medida no caso concreto são válidas.

O mais importante é saber que essa medida existe e que pode ser solicitada.

Com o passar do tempo, novos entendimentos estão sendo adotados pelos tribunais brasileiros, buscando uma maior efetividade para recebimento de dívidas.

Você concorda com essa medida? Acredita que seria algo legal a ser feito? Deixe seu comentário sobre o assunto.

Fonte: Alice Aquino / Advogada

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