Na boca do povo

Cheiinha, cremosa e crocante. Como resistir a popular coxinha que não nasceu no Brasil, virou paixão nacional e ganhou infinitas versões de recheio?

CHIQUE, CHIQUE ELA NUNCA FOI. Rainha dos botequins a coxinha já foi classificada pelo que se convencionou chamar de baixa gastronomia, e sempre esteve presente nas festas de bufês, de aniversário de criança a casamento. Mas, recentemente, esse salgado mudou um pouco o status - até gíria virou, como referência a alguém engomadinho -, quando passou a ser servido em restaurantes e bares da moda. Alguns recheios são demasiadamente "gourmet" para os puristas que não desgarram da tradição de que "coxinha de verdade é de frango e ponto".

O chef Carlos Bertolazzi não pensa assim. "Variações bem feitas são bem-vindas", comenta. O que não pode, segundo ele, é transformar o quitute focando apenas a redução calórica dele. "Coxinha é sempre frita, pois a massa não é apropriada para ser assada", explica.

Proprietário dos restaurantes Zena Caffé e Per Paolo, em São Paulo, Bertolazzi ainda é lembrado pela coxinha de pato que encantou primeiramente os frequentadores de uma feira da comida de rua, a Smorgasburg, em Nova York (EUA), há três anos. Convidado a participar do evento, ele queria apresentar um alimento genuinamente brasileiro, mas com alguma releitura. "Como já trabalhava bastante com carne de pato, decidi criar o recheio a partir disso", diz. Mesmo que suas casas tenham uma pegada de cozinha italiana, o chef nunca abriu mão do salgado associado ao seu trabalho. Tanto que ele assina as receitas desta seção e recebe encomendas.

A paixão nacional pela coxinha já foi tema de pesquisa para Roberta Malta Saldanha, autora de Histórias, Lendas e Curiosidades da Gastronomia (Editora Senac-Rio). "É francesa a origem desse salgado que é a cara do Brasil", informa. Roberta explica que Lucas Rigaud, cozinheiro de Maria I - mãe de Dom João VI - já fazia algo semelhante a esse salgado para a corte portuguesa antes mesmo da chegada dela ao Brasil. "As coxas de frango eram desfiadas, empanadas em molho bechamel e farinha, e depois fritas, conta.

Mais tarde, em 1844, lembra a pesquisadora, Antonin Carême, conhecido como o chef dos reis, chegou mais perto da versão atual da cozinha com a receita publicada no livro L'Art de la Cuisine Francaise au XIX Siécle. Seu croquete de frango passou a ser moldado em forma de pera. "No Brasil, em algum momento, as coxinhas começaram a ser empanadas com ovo batido e farinha de rosca, e assim foi criada a versão nacional", comenta.

Alguns dados mostram que o salgado se tornou popular em São Paulo a partir do século XIX, com a Revolução Industrial, quando passou a ser produzido em massa. A maravilha crocante e calórica pode não ter nascido no País, mas foi aqui que ela fincou raízes e virou estrela da culinária brasileira.

ERA UMA VEZ...

Há muitas lendas em torno da origem da coxinha, mas a principal delas e que circula na internet é de que o salgado teria surgido no século XIX, na Fazenda Morro Azul, em limeira (SP). Lá, a Princesa Isabel e o Conde d'EU mantinham um filho com deficiência mental, que se recusava a comer qualquer coisa além de coxas de galinha fritas. Num dia em que havia pouca carne, a cozinheira teria inventado o quitute a partir das sobras, para enganar o patrão. No entanto, a pesquisadora Roberta Saldanha desfaz a "história da carochinha". "A família real se hospedou na fazenda, mas não há registro histórico de que a princesa tenha tido um filho com problemas mentais", informa. De acordo com Roberta, a filha de Dom Pedro II teve três filhos e todos eles viviam com a família na corte, no Rio de Janeiro.

Fonte: Janice Kiss - Revista Café Expresso/Gastronomia.