Recurso de multa e o processo administrativo de trânsito.
anteontem
2.134 visualizações
Por mais injusto que isto possa parecer, caso o motorista avance o sinal nos horários em que a via não é segura, ainda que de madrugada, ele pode ser multado, segundo a Lei.
Mas, atenção, considerando o contexto do ambiente, inúmeros julgados tem anulado tais multas de trânsito.
Pela simples letra da lei, não existe exceção. O Código de Trânsito Brasileirosomente prevê:
“Avançar o sinal vermelho do semáforo ou o de parada obrigatória: Infração gravíssima; Penalidade - multa.” (CTB, art. 208)
Portanto, infração gravíssima, são 7 pontos na CNH.
Seu eu for multado, o que fazer?
Diante da atual situação de violência do país, os recursos administrativos resultantes de atravessar o sinal vermelho na madrugada estão sendo julgados positivamente, justamente pela sensação de injustiça, e por óbvio, a preservação da vida do condutor, que se sobrepõe, frente ao perigo de ficar parado em área de risco.
O entendimento que vem ganhando força é no sentido que quando o fluxo na madrugada é baixo, o motorista que tomar cuidado ao avançar o sinal não está colocando a sua vida nem a dos outros em risco, pelo contrário: ele está se protegendo.
Assim, frente a uma mudança social, a lei não pode exigir que você coloque sua segurança em risco, e o direito a vida e a segurança devem ser considerado no contexto. Através desta argumentação, é possível cancelar a infração de trânsito e impedir os pontos na carteira junto do pagamento de multa.
Como recorrer desta multa?
Neste tipo de ocorrência, é provável que a punição seja revertida caso você recorra da maneira correta.
Assim, uma defesa ou recurso contra esta infração de trânsito deve ser manejado de forma eficiente e incluir provas a sustentar o alegado, por exemplo, em vários estados os próprios órgãos de segurança pública disponibilizam mapas de áreas de risco.
Também poderá utilizar reportagens jornalísticas comprovando o real estado de risco da via, entre outras provas.
Ocorre que tal argumento é aplicado de maneira restritiva e depende de boas provas.
Tomamos por base o julgado da 14ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RJ - APELAÇÃO CÍVEL - PROCESSO Nº 0340695-66.2010.8.19.0001, de relatoria do DESEMBARGADOR JOSÉ CARLOS PAES.
Segundo o Desembargado, em julgado que o recorrente não obteve êxito, o que se torna importante para aferir uma equiparação, assim citou:
“O demandante apenas fez menção ao bairro do Méier e suas imediações, sem que, para tanto comprovasse que o local era realmente perigoso, ou mesmo que se encontrava em situação ameaçadora a lhe exigir a arriscada manobra. Precedentes do TJRJ.
Note-se que tal dispositivo, embora eivado das mais nobres intenções protetivas, constitui-se verdadeira exceção à regra que exige o cumprimento das normas de trânsito, sobretudo o art. 208 do Código de Trânsito Brasileiro, não se podendo olvidar que, como exceção que é, deverá ser interpretada restritivamente.
Cruzamento de ruas de intenso tráfego de veículos que exige do condutor o respeito às normas de trânsito e a cautela necessária para que sejam evitados acidentes.”
Agora, em outro julgado, sendo reconhecido o fundamento, também do Tribunal do Rio de Janeiro, da lavra da Quarta Câmara Cível - APELAÇÃO CÍVEL 0324650-50.2011.8.19.0001 – Relator Des. MARCO ANTONIO IBRAHIM, senão vejamos, pontuou:
“É fato público e notório a situação de perigo e de risco à vida decorrente da violência e criminalidade urbana do Rio de Janeiro. Durante a madrugada, a insegurança pública é ainda maior, pois o policiamento é praticamente inexistente e as ruas ficam desertas. Assim, o carioca, justamente temeroso pela prática de roubo, preventivamente, desobedece sinal de trânsito, deixando também de observar determinados limites muito baixos de velocidade, em áreas de risco.
Tendo em vista tais circunstâncias, faz-se necessária certa mitigação do “princípio da legitimidade” do ato administrativo, competindo ao Poder Público demonstrar que no local e horário da infração de trânsito havia meios razoáveis de segurança ao cidadão, podendo dele exigir conduta diversa.
Diante do reconhecimento pelo Poder Público da grave violência urbana que assola a cidade do Rio de Janeiro e com objetivo de preservar a integridade física e moral dos cidadãos cariocas, foi criada a Lei nº 4.892/2008, que assim determina:
Artigo 1º - O Poder Executivo Municipal não poderá utilizar sistemas eletrônicos de aferição de velocidade, que estejam instalados em áreas de risco para segurança dos motoristas, após as 22h00min (vinte e duas) horas.
O ente municipal editou, ainda, o Decreto nº 30.404/2009, especificando os semáforos em que não se aplicaria multa por avanço, entre 22:00 e 06:00 horas. Tais legislações confirmam que o Poder Público não vem cumprindo com o seu dever de zelar pela segurança da população e, por esse motivo, não lhe é cabível exigir em situação de perigo a observância de regras que aumentam o risco.
Nesse diapasão, muito embora a área onde a parte autora cometeu a infração não tenha sido incluída no Anexo I do supracitado decreto, não restam dúvidas de que a Estrada Intendente Magalhães é perigosa. Observe-se que às 03h10min da madrugada não havia qualquer pedestre transitando pelo local, ou veículos trafegando pela via, consoante notificação de autuação de fls. 14, o que, evidentemente, poderia facilitar a ação inesperada (mas não improvável) de bandidos, caso a parte autora respeitasse a ordem de parada obrigatória.
Dessa maneira, a norma legal instituidora dos sistemas eletrônicos de aferição de velocidade não pode se sobrepor à segurança dos cidadãos cariocas, revelando-se plausível que o cidadão, em determinados locais e horários, não se sinta seguro em obedecer regras de trânsito que o colocam em evidente situação de perigo.
Assim, conclui-se que o Município ré não logrou comprovar que o local e o horário onde foi cometida a infração de trânsito havia meios razoáveis de segurança, devendo ser afastada a presunção de legitimidade do ato administrativo, com a anulação da multa e a exclusão da pontuação dela decorrente no prontuário da parte autora.”
Conforme se vê, o condutor tem sim precedente para anulação de tais infrações, mesmo que seja uma exceção a regra.
O importante é sempre se ater aos prazos recursais.
De outra sorte, enquanto o condutor/proprietário estiver recorrendo da suposta infração ele pode requerer (e terá direito) ao chamado efeito suspensivo, ou seja, enquanto não encerrado o processo administrativo não poderá recair sobre ele os efeitos e penalidades em tese contidos na Lei, como os pontos, suspensão da CNH, e até mesmo não será obrigado a pagar a multa para recorrer.
Os argumentos para uma anulação de multa partem desde o apontamento de erros formais, por exemplo: não preenchimento do auto de infração conforme determina a legislação, aparelhos irregulares utilizados para captura da infração ou com a data de inspeção vencida; ausência de notificação para recurso, etc; bem como erros factuais na própria autuação, como exposto neste artigo em específico.
Fonte: Denatran e Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97); Julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. - Publicado por Tiago Cippollini - Jus Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário