A lamentação e a confiança que tanto marcam a história da humanidade são bem descritas aqui pelo Salmo 3 das Sagradas Escrituras. O rei Davi, perante as ameaças, sente-se triste e abandonado. O que fazer? Também nós passamos por essas experiências e não sabemos o que fazer. Davi nos dá um testemunho sobre a verdadeira saída, perante esses dramas humanitários. Veja atentamente, em primeiro lugar, o que fala o Salmo:
“Salmo de Davi, quando fugia de Absalão, seu filho. Senhor, como são numerosos os meus perseguidores! É uma turba que se dirige contra mim. Uma multidão inteira grita a meu respeito: Não, não há mais salvação para ele em seu Deus! Mas vós sois, Senhor, para mim um escudo; vós sois minha glória, vós me levantais a cabeça. Apenas elevei a voz para o Senhor, ele me responde de sua montanha santa. Eu, que me tinha deitado e adormecido, levanto-me, porque o Senhor me sustenta. Nada temo diante desta multidão de povo, que de todos os lados se dirige contra mim. Levantai-vos, Senhor! Salvai-me, ó meu Deus! Feris no rosto todos os que me perseguem, quebrais os dentes dos pecadores. Sim, Senhor, a salvação vem de vós. Desça a vossa bênção sobre vosso povo.”
Podemos interpretar esse cântico também como uma oração. Uma oração de desabafo. O salmista identifica três personagens na sua prece: os inimigos, Deus e aquele que reza. E o salmista descreve quem são os inimigos. São muitos e estão ameaçando a vida dele, de quem reza. Uma situação bem dramática e exasperadora. Ele se sente cada vez mais só e abandonado por todos. Uma solidão sem fim. Parecem trevas que obscurecem até os últimos raios de luz que sobraram. Uma imagem que todo ser humano pode experimentar e experimenta. Quantos dramas marcam a nossa história? Tem gente que não aguenta tanto de dor e de abandono, e como consequência disso decide por fim a sua vida. Ficou esmagado pela história conturbada e opressiva.
Aqui entra o salmo, convidando a dar a ‘volta por cima’, a enxergar além das trevas da vida: “Mas vós sois, Senhor, para mim um escudo”. É a partir dessa experiência de confiança que se deixa dominar por Deus. É Ele que garante essa passagem das trevas pavorosas à luz, da lamentação à confiança e à esperança. É Ele que permite discernir que toda opressão, por quanto possa ser devastadora, não esmaga o ser humano, mas aumenta a coragem e confiança que tudo vai passar. Não será derrotado, mas vitorioso, porque Deus é o seu escudo. Deus conosco é aquela razão de viver que vai além dos costumes rotineiros da nossa vida cotidiana.
Portanto, pode-se dizer como o apóstolo Paulo: “Se Deus está conosco quem pode estar contra nós?” Assim sendo, fazer este ensaio é promoção de vida e não mutilação, libertação e não escravidão. É evidente aqui que Davi, invocando Deus, sente-se mais seguro e livre, não obstante os perigos que estava enfrentando, o perigo da morte. O grande número de inimigos é contrastado pela ação divina. A oração do fiel não se perde no vazio, mas é acolhida pelo Senhor Deus que está presente na sua criação. O que suplica o Senhor na noite escura da vida grita no seu desespero: “Levantai-vos, Senhor! Salvai-me, ó meu Deus!”
Quantas pessoas se identificam nessa passagem! Eu diria mais, a humanidade imergida nessa clamação. A dor parece dominadora e opressora demais. Quem nos salva? Mas o coração do ser humano suplicante se torna sereno quando consegue experimentar essa confiança de sobrevivência ao Deus Onipotente. É Ele que está acima de tudo e de todos. Nessa perspectiva, reconhece-se a vitalidade da presença de Deus na vida da humanidade. Um Deus que compartilha a vida terrena e quer dar a sua resposta às ansiedades e dilemas dos seres humanos. Um Deus que não se cala perante a nossa história. Pelo contrário, revela-nos que não é surdo ao clamor do suplicante, mas responde com ajuda e salvação, porém não do nosso jeito.
Deus como um grande justiceiro que intervém a favor daquele que o invoca é uma linguagem típica do Antigo Testamento. Um Juiz supremo que espanta os inimigos e os derrota. Termina com o versículo que toda a comunidade deseja de se colocar de baixo da proteção de Deus. E aquela oração expressa como fato pessoal se torna também uma experiência de vida comunitária, vivida por todos. Isto, vale dizer, que uma oração por quanto seja pessoal sempre se torna no mesmo tempo comunitária. Concluindo, um drama da pessoa, é verdade que é pessoal, mas é igualmente da comunidade. Nesse sentido, o salmista acrescenta: “Desça a vossa bênção sobre vosso povo.” Compartilhando a nossa vida, compartilharemos as bênçãos do Senhor, escudo dos perigos da nossa existência.
Fonte: Claudio Pighin, sacerdote, jornalista italiano naturalizado brasileiro, doutor em teologia, mestre em missiologia e comunicação.
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