quarta-feira, 6 de maio de 2015

A peste da corrupção tem cura?

Hong Kong mostrou, em poucas décadas, que a corrupção tem cura. Fez tudo certo: educação, prevenção e repressão (tudo junto). No Brasil, no entanto, prepondera a ideologia de que somos o "vale das propinas" (coirmã da ideologia do "vale das lágrimas", que diz que passamos pela Terra apenas para sofrer, daí a necessidade de salvação). Aqui achamos que a corrupção não tem cura. Dizem: "é da nossa cultura" (por essa via algumas autoridades e  empresários tentam justificar suas bandalheiras); "está enraizada", as bandas podres das classes dominantes, as que corrompem na casa dos bilhões (veja Petrobras, Carf, Trensalão etc), afirmam: "desde a Bíblia já se  fala em corrupção"; "sempre foi assim". Resultado: quanto mais naturalizada, mas impune fica a corrução. Como era o e como ficou Hong Kong depois das medidas anticorrupção?

Diante do rápido desenvolvimento econômico e social, se Hong Kong não tivesse adotado medidas certeiras calcula-se que atualmente estaria no patamar de China, México, Argentina e Indonésia, países que de acordo com o ranking  mundial de corrupção 2014, da ONG Transparência Internacional, estão entre as posições 100º e 107º, dentre 174 países. O Brasil ocupa a 69º posição. E Hong Kong, que nos anos 60/70 era considerado um dos territórios mais corruptos do mundo, está na 17ª posição, à frente de Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo. Evolução impressionante em nenos de meio século. Como isso se tornou possível onde vigorava a cultura do "money tea" (dinheiro do chá), que equivale ao nosso jeitinho? Todos os setores sociais (com destaque para a polícia) achavam-se completamente contaminados pela "cultura da corrupção". Em 1971 começou a grande virada, com a descoberta do caso "PF Gedber" (policial que ficou rico com a corrupção).

Ele se aposentou. Após incontáveis protestos da população, em 1974, foi criada uma das organizações anticorrupção mais poderosa do mundo: a Comissão Independente Contra a Corrupção (algo que poderia ser imaginado no Brasil), mesclando agentes do Estado com a sociedade civil). A Comissão, inovadoramente, com três departamentos, focou em educação, prevenção e repressão. A ponte para a solução real do problema é composta de três vias. Qual o seu legado? Uma só via (repressão) não funciona. É como cortar grama, que renasce.

Só indo à raiz é que se resolve o problema. O Departamento de Operações centraliza todas as "denúncias" de corrupção (assegurando o sigilo e dando apoio ao denunciante) e faz a s devidas investigações com rapidez. Luta com denodo pela "certeza do castigo". O Departamento de Prevenção difunde práticas e procedimentos que reduziram drasticamente a quantidade de corrupção; O Departamento de Relações com a Comunidade cuida da educação e propaga os malefícios da roubalheira. Usa propagandas massivas. Atua em escolas, organizações distritais, no setor público e no privado; educa os jovens, fundindo ética aos cidadões. Em todas as apresentações as personagens protagonizam dilemas éticos, vencendo sempre o honesto. O Índice de Liberdade Econômica 2012, da Fundação Heritage, com sede nos Estados Unidos, apontou uma tolerância mínima para a corrupção em Hong Kong e eficácia exuberante nas medias anticorrupção da cidade. Em outra pesquisa, feita pela ICAC, numa escala de 0 a 10 onde zero é extremante intolerante à corrupção e 10 totalmente  tolerante, os cidadãos de Hong Kong obtiveram uma média de 0,8 pontos na última década. Mudanças de valores são mais importantes que apenas reforma as leis penais.

A via repressiva exclusiva, sobretudo quanto populista, satisfaz a ira da população irada, mas não resolve o problema. Se Hong Kong, uma nação que tinha uma posição muito pior que a do Brasil anos atrás conseguiu, por que não podemos conseguir?

Fonte: Por Luiz Flávio Gomes - Jurista e professor. Foi Promotor de Justiça e Juiz de Direito e Advogado.


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