terça-feira, 31 de outubro de 2023

MOMENTO JURÍDICO - Responsabilidade Objetiva dos Hospitais: Protegendo os Direitos dos Pacientes

 

Entenda a Legislação e os Procedimentos em Caso de Danos Causados por Falhas Hospitalares

Introdução:

O direito à saúde é um dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988, que estabelece que o Estado deve prover as condições indispensáveis para o bem-estar físico e mental dos cidadãos. Nesse sentido, os hospitais, como prestadores de serviços de saúde, têm o dever de oferecer um atendimento adequado, seguro e eficaz aos pacientes, respeitando seus direitos e sua dignidade.

Procure apoio jurídico.

No entanto, nem sempre essa obrigação é cumprida, e muitos pacientes sofrem danos decorrentes de falhas hospitalares, como erros médicos, negligência, imprudência, imperícia ou má prática. Esses danos podem ser de natureza física, psicológica ou moral, afetando a integridade, a saúde e a qualidade de vida dos pacientes.

Diante dessas situações, surge a questão da responsabilidade objetiva dos hospitais, que consiste na obrigação de reparar os danos causados aos pacientes independentemente da comprovação de culpa. Trata-se de uma forma de proteger os direitos dos pacientes e garantir a justiça em casos de violação do dever de cuidado.

Neste artigo, vamos abordar os aspectos legais da responsabilidade objetiva dos hospitais, as principais falhas hospitalares que podem resultar em danos aos pacientes e os procedimentos para buscar reparação legal. Além disso, vamos orientar você sobre como proteger seus direitos e buscar justiça caso enfrente danos causados por falhas hospitalares.

Tópico 1: Legislação e Responsabilidade Hospitalar

A responsabilidade objetiva dos hospitais está prevista no Código de Defesa do Consumidor ( CDC), que considera os hospitais como fornecedores de serviços e os pacientes como consumidores. O artigo 14 do CDC estabelece que:

“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

Isso significa que os hospitais devem responder pelos danos causados aos pacientes em decorrência de defeitos no seu serviço, como aqueles relacionados à estadia do paciente (internação e alimentação), instalações, equipamentos e serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia). A responsabilidade do hospital será aferida de maneira objetiva, ou seja, sem necessidade de provar a culpa do hospital ou do profissional envolvido.

No entanto, há uma exceção prevista no parágrafo 4º do mesmo artigo:

“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

Isso significa que os profissionais liberais que atuam nos hospitais, como médicos, dentistas e fisioterapeutas, respondem pelos danos causados aos pacientes mediante a comprovação de culpa (negligência, imprudência ou imperícia). Nesse caso, a responsabilidade é subjetiva, ou seja, depende da demonstração da conduta culposa do profissional.

Portanto, há uma distinção entre a responsabilidade objetiva do hospital e a responsabilidade subjetiva do profissional liberal. No entanto, isso não impede que ambos sejam responsabilizados solidariamente pelos danos causados aos pacientes em casos de falhas nos serviços prestados pelo hospital ou pelos profissionais.

A legislação brasileira visa proteger os direitos dos pacientes e garantir a reparação dos danos sofridos por eles em casos de falhas hospitalares. Há diversos casos notórios em que a legislação foi aplicada com sucesso para condenar os hospitais e/ou os profissionais envolvidos a indenizar os pacientes pelos danos morais e materiais causados.

Um exemplo é o caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2019 1, em que um paciente teve seu rim saudável retirado por engano durante uma cirurgia para retirada do rim doente. O STJ manteve a decisao do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que condenou o hospital e o médico a pagar uma indenização de R$ 100 mil por danos morais e R$ 50 mil por danos estéticos ao paciente.

Outro exemplo é o caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) em 2018 2, em que uma paciente teve seu braço amputado após contrair uma infecção hospitalar durante uma cirurgia para colocação de prótese no ombro. O TJRS condenou o hospital e o médico a pagar uma indenização de R$ 300 mil por danos morais e R$ 150 mil por danos estéticos à paciente.

Esses casos ilustram como a legislação brasileira pode ser utilizada para responsabilizar os hospitais e os profissionais pelos danos causados aos pacientes em casos de falhas hospitalares, bem como para garantir a reparação adequada aos pacientes.

Tópico 2: Falhas Hospitalares e Danos aos Pacientes

As falhas hospitalares são situações em que ocorrem erros, negligências ou má práticas na prestação dos serviços de saúde, causando danos aos pacientes. Esses danos podem ser de natureza física, psicológica ou moral, afetando a integridade, a saúde e a qualidade de vida dos pacientes.

As falhas hospitalares podem ocorrer em diferentes momentos e contextos, como no diagnóstico, na prescrição, na administração de medicamentos, na realização de procedimentos cirúrgicos, na prevenção e controle de infecções, na assistência de enfermagem, na comunicação entre os profissionais e os pacientes, entre outros.

Algumas das principais falhas hospitalares que podem resultar em danos aos pacientes são:

  • Erros médicos: são situações em que os médicos cometem equívocos no diagnóstico, na prescrição ou na execução de procedimentos médicos, podendo causar lesões, complicações ou até mesmo a morte dos pacientes. Os erros médicos podem decorrer de falta de conhecimento, de habilidade ou de atenção dos profissionais.
  • Negligência: é a omissão ou a demora em prestar os cuidados necessários aos pacientes, podendo acarretar agravamento do quadro clínico ou perda de chances de cura. A negligência pode decorrer de falta de interesse, de zelo ou de responsabilidade dos profissionais.
  • Imprudência: é a realização de atos arriscados ou inadequados que podem prejudicar os pacientes, como realizar procedimentos sem autorização, sem consentimento ou sem indicação. A imprudência pode decorrer de falta de cautela, de prudência ou de discernimento dos profissionais.
  • Imperícia: é a falta de capacidade técnica ou científica para exercer determinada atividade profissional, podendo comprometer a qualidade e a segurança dos serviços prestados aos pacientes. A imperícia pode decorrer de falta de formação, de experiência ou de atualização dos profissionais.
  • Má prática: é a violação dos padrões éticos ou legais que regem a atividade profissional, podendo causar danos morais aos pacientes. A má prática pode decorrer de falta de honestidade, de respeito ou de integridade dos profissionais.

Essas falhas hospitalares podem gerar diversos tipos de danos aos pacientes, como:

  • Danos físicos: são as lesões corporais que afetam a saúde e o bem-estar físico dos pacientes, como cortes, queimaduras, fraturas, infecções, hemorragias, amputações, paralisias, entre outros.
  • Danos psicológicos: são os transtornos mentais que afetam a saúde e o bem-estar emocional dos pacientes, como ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, fobias, pânico, entre outros.
  • Danos morais: são as ofensas à honra, à dignidade e à reputação dos pacientes, como humilhação, constrangimento, discriminação, difamação, injúria, entre outros.

Esses danos podem ter consequências graves e duradouras na vida dos pacientes, como perda da capacidade laborativa, redução da expectativa de vida, diminuição da autoestima, isolamento social, entre outros.

A responsabilidade objetiva dos hospitais se aplica em casos de falhas hospitalares que causem danos aos pacientes, independentemente da comprovação de culpa. Para ilustrar como essa responsabilidade funciona na prática, vamos apresentar algumas histórias reais de pacientes que sofreram danos devido a falhas hospitalares.

Uma dessas histórias é a de Maria, uma mulher de 35 anos que foi internada em um hospital público para realizar uma cirurgia de retirada do útero. Durante o procedimento, o médico responsável cortou acidentalmente a bexiga de Maria, causando uma grave infecção urinária. Além disso, o médico não informou Maria sobre o erro e nem prestou a assistência adequada. Maria teve que passar por outra cirurgia para reparar a lesão e ficou com sequelas permanentes, como incontinência urinária e dor crônica. Maria entrou na justiça contra o hospital e o médico, alegando que houve erro médico e negligência. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) condenou o hospital e o médico a pagar uma indenização de R$ 100 mil por danos morais e R$ 50 mil por danos materiais a Maria .

Outra história é a de João, um homem de 40 anos que foi internado em um hospital particular para realizar uma cirurgia de correção de hérnia. Durante o procedimento, o médico responsável deixou um pedaço de gaze dentro do abdômen de João, causando uma grave infecção interna. Além disso, o médico não percebeu o erro e nem realizou os exames necessários para detectá-lo. João teve que passar por outra cirurgia para retirar a gaze e ficou com sequelas permanentes, como aderências intestinais e dor crônica. João entrou na justiça contra o hospital e o médico, alegando que houve imprudência e imperícia. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) condenou o hospital e o médico a pagar uma indenização de R$ 150 mil por danos morais e R$ 100 mil por danos materiais a João .

Essas histórias mostram como a responsabilidade objetiva dos hospitais pode ser acionada em casos específicos de falhas hospitalares que causem danos aos pacientes. Essa responsabilidade visa garantir a reparação dos danos sofridos pelos pacientes e incentivar os hospitais a melhorar a qualidade e a segurança dos seus serviços.

Tópico 3: Condenação do Brasil na Cedaw

A Cedaw é a sigla em inglês para a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, um tratado internacional adotado pela Assembleia Geral da ONU em 1979 e ratificado pelo Brasil em 1984. A Cedaw estabelece os princípios e as obrigações dos Estados-Partes para promover e proteger os direitos humanos das mulheres, bem como para eliminar todas as formas de discriminação baseada no gênero.

A Cedaw também prevê a existência de um Comitê, composto por 23 peritas independentes, que tem a função de monitorar o cumprimento da Convenção pelos Estados-Partes. O Comitê recebe e analisa os relatórios periódicos dos Estados-Partes, bem como as denúncias individuais ou coletivas de violações dos direitos das mulheres.

O Brasil foi o primeiro país do mundo a ser condenado pelo Comitê da Cedaw por uma morte materna evitável, no caso Alyne S. Pimentel Teixeira vs. Brasil. Esse caso envolveu uma mulher negra e pobre, que estava grávida de seis meses e que morreu em 2002 por falta de assistência médica adequada. Alyne sofreu uma hemorragia grave após um aborto espontâneo e foi negligenciada pelos profissionais de saúde que a atenderam em dois hospitais públicos do Rio de Janeiro. Ela não recebeu o tratamento necessário para estancar o sangramento, nem foi transferida para uma unidade especializada em tempo hábil. Ela faleceu dois dias depois de dar entrada no primeiro hospital.

A mãe de Alyne, Maria de Lourdes da Silva Pimentel, apresentou uma denúncia ao Comitê da Cedaw em 2007, com o apoio de organizações não governamentais de defesa dos direitos das mulheres. A denúncia alegava que o Estado brasileiro havia violado os direitos de Alyne à vida, à saúde, à igualdade e à não discriminação, previstos na Convenção.

Em 2011, o Comitê da Cedaw emitiu sua decisão sobre o caso, considerando o Estado brasileiro responsável pela morte de Alyne e recomendando ao país que indenizasse a família e tomasse medidas efetivas para prevenir e combater a violência obstétrica e a mortalidade materna. O Comitê reconheceu que o caso Alyne refletia as desigualdades estruturais que afetam as mulheres no Brasil, especialmente as mulheres negras, pobres e moradoras de áreas rurais ou periféricas. O Comitê também destacou que o direito à saúde reprodutiva é um direito humano fundamental das mulheres e que o Estado tem o dever de garantir o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde de qualidade.

A decisão do Comitê da Cedaw foi histórica e inédita, pois foi a primeira vez que um órgão internacional condenou um Estado por uma morte materna evitável. Essa decisão representou um marco na luta pelos direitos das mulheres no Brasil e no mundo, pois evidenciou a gravidade da situação da saúde reprodutiva das mulheres no país e a necessidade de políticas públicas eficazes para enfrentar esse problema. Além disso, a decisão fortaleceu o papel do Comitê da Cedaw como um mecanismo internacional de proteção dos direitos das mulheres e como uma instância de responsabilização dos Estados por suas violações.

Conclusão

Os danos hospitalares são situações que podem causar graves prejuízos à saúde e à qualidade de vida dos pacientes. Eles podem ser decorrentes de erros médicos, infecções, quedas, falta de assistência, entre outros fatores. Os pacientes que sofrem danos hospitalares têm direitos garantidos por lei, como o ressarcimento pelos gastos com o tratamento, a indenização por danos morais e materiais, e a reparação por eventuais sequelas ou incapacidades. Por isso, é importante que os pacientes que se sentirem lesados busquem orientação jurídica e procurem a justiça para defender seus direitos. A ação judicial pode ser uma forma de obter justiça, reparação e prevenção de novos casos de danos hospitalares.


Fonte: Leon Ancilotti - www.jusbrasil.com.br


(SJRP)


Nenhum comentário:

Postar um comentário