De fato ele não tinha uma cara simpática. Era sisudo e considerado um político duro. Não negociava qualquer ato do governo se houvesse a menor suspeita que alguém em particular iria levar vantagem pessoal. Não conhecia açougueiros que pediam dinheiro emprestado com juros baixos de bancos estatais, nem se aproveitava de qualquer vantagem que o cargo lhe proporcionava. Não aceitava caronas. Por isso esteve no poder quatro vezes, na segunda metade do século XIX. Deixou a política aos 84 anos. Nesse período o Reino Unido se tornou uma potência mundial, especialmente econômica. Gladstone, apesar da cara feia, era erudito, enérgico e intelectualmente corajoso. Ele insistia que o governo tinha que ter um orçamento fiscal equilibrado, ou seja jamais admitir que podia gastar mais do que arrecadava. Dizia que os déficits fiscais provaram que eram fonte de fragilidade nos sistemas sociais e econômicos. Por isso ocupou também o cargo do Chancellor of the Exchequer, ou ministro da fazenda. Também por quatro períodos. Nessa época a libra se tornou a moeda mais valiosa do mundo e a Grã Bretanha o centro econômico e financeiro mais importante do planeta.
Em outros lugares não era bem assim. Sistemas políticos presidencialistas que concentravam o poder todo na mão de um único homem usavam o déficit público como uma política de governo. Graças a ele era possível ter dinheiro para investir nas questões básicas, principalmente para implantar as propostas surrealistas que tinham prometido na campanha eleitoral. Para isso precisavam ter no ministério da fazenda, não um técnico, mas um político. Alguém que não conhecesse praticamente nada de ciência econômica, mas se afinava com o chefe. A ordem era arrumar dinheiro para gastar com a imensa estrutura do Estado e financiar obras que garantissem ou a reeleição ou a perpetuação do nome do presidente no concreto ou em placas de bronze, para toda a eternidade. Isto vinha sendo feito desde o tempo dos faraós. Uma das fontes de recursos era o déficit público. O governo gastava mais dinheiro do que tinha em caixa, mas ela não ficava vazia, o ministro providenciava que mais dinheiro fosse fabricado na casa da moeda. Uma maravilha da administração brasileira utilizada por vários presidentes da república ao longo da nossa recente história. Contudo essa política resultava em inflação, com o aumento dos preços dos produtos comprados pela população.
Mesmo sem perceber o povo pagava duas vezes. A primeira quando recolhia os impostos. A segunda quando fosse comprar um pãozinho na padaria e ele tinha subido de preço. Para o cidadão comum o responsável era o “Seu Manoel”, ou os atravessadores, ou o Saci Pererê. Não lhe passava pela cabeça que um tal déficit fiscal tinha alguma coisa com isso. Em outras palavras o governo usava o método da cama de Procusto. Este, segundo a mitologia grega, tinha uma cama de ferro, que oferecia ao viajante. Se este fosse menor do que a cama ele o amarrava e esticava seu corpo até ficar do tamanha da cama. Se o dinheiro era menor do que as despesas ele esticava o orçamento fabricando dinheiro. Inflação era tida como algo não tão ruim, a até bons economistas diziam que era possível desenvolver o país graças a ela. O Brasil conviveu com essa política monetária ao longo de muitos governos. Quem saia da presidência deixava um imenso déficit para o sucessor. Este ou assumia o combate, e não realizava obras, ou acelerava a inflação com mais dinheiro no mercado, para fazer obras e também deixar a sua marca. Ninguém ganha eleição prometendo controlar o déficit público. Quem conseguiu essa proeza foi Gladstone, afinal o regime inglês era parlamentarista. ( Inspirado pela leitura de o Antifrágil, de Nassim Taleb, ed. Best Business).
Fonte: Heródoto Barbeiro - Record News / SP.
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