quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O POVO INVOCA INCESSANTEMENTE O SEU DEUS

Este salmo das Sagradas Escrituras é uma súplica do povo oprimido ao seu Deus. Assim como acontece na nossa história, quantas vezes a mesma comunidade se reúne e intercede a Deus para socorrê-la, porque a desgraça e as contingências da vida são totalmente adversas. O povo está numa pior e não tem mais para quem apelar, senão ao seu Deus. O salmo 43 é um exemplo de oração coletiva em que se concentra a esperança na fidelidade a Deus. Veja o que diz o salmo:

“Ó Deus, ouvimos com os nossos próprios ouvidos, nossos pais nos contaram a obra que fizestes em seus dias, nos tempos de antanho.

Para implantá-los, expulsastes com as vossas mãos nações pagãs; para lhes dardes lugar, abatestes povos.

Com efeito, não foi com sua espada que conquistaram essa terra nem foi seu braço que os salvou, mas foi vossa mão, foi vosso braço, foi o resplendor de vossa face, porque os amastes.

Meu Deus, vós sois o meu rei, vós que destes as vitórias a Jacó.

Por vossa graça, repelimos os nossos inimigos; em vosso nome, esmagamos nossos adversários.

Não foi em meu arco que pus minha confiança nem foi minha espada que me salvou, mas fostes vós que nos livrastes de nossos inimigos e confundistes os que nos odiavam.

Era em Deus que em todo o tempo nos gloriávamos, e seu nome sempre celebrávamos. Agora, porém, nos rejeitais e confundis; e já não ides à frente de nossos exércitos. Vós nos fizestes recuar diante do inimigo, e os que nos odiavam pilharam nossos bens.

Entregastes-nos como ovelhas para o corte, e nos dispersastes entre os pagãos.
Vendestes vosso povo por um preço vil, e pouco lucrastes com esta venda.

Fizeste-nos o opróbrio de nossos vizinhos, irrisão e ludíbrio daqueles que nos cercam.

Fizestes de nós a sátira das nações pagãs, e os povos nos escarnecem à nossa vista.

Continuamente estou envergonhado, a confusão cobre-me a face, por causa dos insultos e ultrajes de um inimigo cheio de rancor.

E, apesar de todos esses males que nos sobrevieram, não vos esquecemos, não violamos a vossa aliança.

Nosso coração não se desviou de vós nem nossos passos se apartaram de vossos caminhos, para que nos esmagueis no lugar da aflição e nos envolvais de trevas...

Se houvéramos olvidado o nome de nosso Deus e estendido as mãos a um deus estranho, porventura Deus não o teria percebido, ele que conhece os segredos do coração?

Mas por vossa causa somos entregues à morte todos os dias e tratados como ovelhas de matadouro.

Acordai, Senhor! Por que dormis? Despertai! Não nos rejeiteis continuamente!

Por que ocultais a vossa face e esqueceis nossas misérias e opressões? Nossa alma está prostrada até o pó, e colado no solo o nosso corpo. Levantai-vos em nosso socorro e livrai-nos pela vossa misericórdia.”

O povo oprimido pelo inimigo invoca Deus. É Ele que pode resgatá-lo dessa situação tão penosa. Quantas vezes também nós nos encontramos em situações dramáticas e talvez nos esquecemos de invocar o nosso Deus. Este salmo é, portanto, um exemplo de uma oração da comunidade em dificuldade. O que nos testemunha este hino? A oração desses fiéis lembra o passado triunfal da presença do Senhor. Com Ele, conseguiram triunfos e, no entanto, agora o presente se tornou vazio e triste. Um presente derrotado. Parece que Deus tinha abandonado de vez o seu povo e por isso ele recrimina, protesta contra Deus por esse abandono. Inclusive a oração ironiza Deus, dizendo que, permitindo a escravidão do seu povo, não ganhou nada, saiu perdendo.

Porém, Israel confia que o seu futuro será diferente, conseguirá reverter essa situação de humilhação, porque o seu Deus vai ‘acordar’ e irá ao seu encontro. Nessa fase da história, o povo sente-se ‘prostrado até o pó do chão’, pisado pelo seu inimigo. Somente Deus pode reabilitá-lo. Reconhece também o povo que o seu pecado é a razão de tudo isso. A partir de agora, sente-se inocente, porque confessou o seu pecado mantendo viva a aliança com o seu Deus. Mas também se pergunta o fiel por que Deus permite o mal, deixando o seu povo Israel que seja entregue à morte? É essa pergunta do justo que sofre. Esse questionamento, desse salmo, é ainda atual.

Quantas vezes ouvi me dizer ‘porque, padre, Deus permite tanto sofrimento, tanta dor?’ Porém, no final do salmo, aparece um pouquinho de esperança, embora de forma leve e provocante. O piedoso fiel levanta a questão da ausência de Deus. E por isso reclama que Deus não pode ser igual aos ídolos que não têm poder nenhum, mas pelo contrário, Ele é aquele que traz a salvação. Assim, o fiel proclama se Deus acordar, se tornar presente, também o fiel imergido no sofrimento, na dor, se reerguerá, voltará a esperar por uma vida melhor. Assim sendo, o autor desse salmo reza o seu Deus para se manter fiel a Ele, sem se preocupar na vingança dos seus inimigos. É essa fidelidade que lhe permite de compreender melhor a sua própria vida, embora ameaçada.


Fonte: Claudio Pighin, sacerdote, jornalista italiano naturalizado brasileiro, doutor em teologia, mestre em missiologia e comunicação.

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