O pior ensino médio do mundo?
Do ponto de vista de suas regras e formato legal, não consegui encontrar um só pais com ensino médio pior que o nosso.
O modelo brasileiro gera péssimos números. Enquanto o Chile universaliza esse nível, no Brasil, menos da metade da coorte consegue completá-lo. Dos que iniciam o curso, só 40% o terminam. Para culminar, em vez de caminhar para a universalização, nosso médio encolhe! Vejamos por quê.
1 – O mais odioso equívoco é impor o mesmo currículo a todos. Os futuros Machados de Assis têm a mesma carga de matemática oferecida aos que serão engenheiros da Embraer. E esses últimos, para entrar em uma boa faculdade, precisam brilhar em literatura. Nenhum país do mundo civilizado deixa de reconhecer as diferenças individuais e oferecer cursos, currículos e escolhas de acordo com as preferências e talentos de cada um.
2 – O excesso de disciplinas é assustador. São catorze as obrigatórias. Na prática, os alunos podem ser obrigados a cursar dez, simultaneamente.
3 – Transbordam os conteúdos das ementas, desde o início da escolarização. Com razão, os alunos reclamam da chatice crônica e da falta de proximidade entre o que é ensinado e o universo deles. No Brasil, rabeira no Pisa, no 4° ano primário os alunos aprendem 27 tópicos de matemática. Em Singapura, no topo do Pisa, são quatro! O aluno brasileiro ouviu falar de tudo mas não aprendeu nada. Aprender de verdade requer empapar-se do assunto, mergulhar fundo, praticar. Impossível, com tanta matéria para percorrer. Não há tempo para aplicar o ensinado. Sugiro ao leitor dar uma olhada em um livro de biologia, para convencer-se do exagero. E, como pontifica David Perkins (de Harvard), só aprendemos quando aplicamos o conhecimento em situações concretas.
4 – Nas disciplinas mais críticas, há uma grande escassez de professores bem formados. De fato, as fragilidades e os equívocos das faculdades de educação estão entre os grandes culpados pelo desastre. Apesar disso, engenheiros, advogados e farmacêuticos não podem ensinar matemática, física ou química, embora conheçam mais do assunto e tenham melhor desempenho em sala de aula do que grande número de professores com carteirinha. Disso sabem os cursinhos, livres para contratar e pagar regiamente a quem quiserem.
5 – O tempo efetivamente usado para ensinar e aprender já começa estreito — por lei — e é ainda mais espremido pelas perdas de tempo nos horários de aula. Segundo as pesquisas, é razoável supor que só a metade do tempo é usada para aprender. O resto se perde. E, como sabemos, quanto menos se estuda, menos se aprende.
6 – Prevalece a indisciplina sistêmica. Uma pesquisa do Positivo perguntou aos alunos o que mais atrapalhava o seu aprendizado. A resposta unânime foi: a bagunça dos colegas. Mas confundimos autoridade com autoritarismo, e os professores se sentem desamparados para impor a disciplina careta que existe em toda escola bem-sucedida.
7 – Da forma como é usado pelas universidades públicas, o Enem virou uma camisa de força. Ao imparem notas únicas de entrada, elas impedem a diversificação do ensino médio. Isso tudo sem falar das deficiências das séries anteriores, cujos últimos anos compartilham os mesmos problemas do médio. Ou seja, agravando o quadro, os alunos chegam despreparados.
Com isso tudo concordam pesquisadores e até ministros. O problema é que a engenharia da mudança está enredada. O Conselho Nacional de Educação nada faz. O Congresso só faz votar novas disciplinas, para agradar a seus grupelhos de eleitores (mais uma dúzia de novas disciplinas foi proposta). Os ministros e os secretários de Educação estão de mãos atadas pelos lobbies e pela inércia. Mas, como demonstram alguns estados, há mais flexibilidade na lei do que parece. Ou seja, falta ousadia.
Quando foi aprovada a LDB, um marco legal iluminado e flexível, previ que, em pouco tempo, a sua regulamentação destruiria o espírito da lei. De fato, logo adquiriu um rigor cadavérico. Quase nada sobrou de sua versatilidade inicial. A maior vítima dessa desfiguração é o ensino médio. A ação de forças descoordenadas criou um monstro, e não sabemos como descriá-lo.
Fonte: Cláudio de Moura Castro é economista - Veja - Blog do Alexandre Távora
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