Desafiar o presidente da República é um ato temerário. O chefe do Poder Executivo tem todos os poderes nas mãos. Há um clima de medo e receio de represálias contra quem ousar contrariar o presidente e sua política. O presidente se esforça para manter a opinião pública ao seu lado, e para isso lança mão de um controle dos movimentos políticos que possam chamar a atenção da nação contra o que se considera excessos praticados. A maioria dos políticos do Brasil temem que a popularidade do presidente possa torná-los impopulares, acusados de tramar contra o país e impedir que as ações a favor dos trabalhadores sejam implementadas. De fato, as promessas feitas diariamente e divulgadas pelos canais oficiais acenam com propostas que visam melhorar a vida principalmente dos mais pobres. Isso, segundo os estrategistas do presidente, é a base para manter o governo estável e encurralar a oposição. Esta está desgastada com os embates políticos e ideológicos, principalmente a esquerda rotulada de estar ao lado das ditaduras comunistas do mundo. As elites econômicas, por sua vez, temem que esses movimentos possam atrapalhar seus planos de se manter no controle das diretrizes financeiras do país.
O presidente, assessorado por um grupo de especialistas em comunicação, quebrou a intermediação dos jornalistas de veículos de imprensa. Importou o modelo de falar diretamente para a população e com isso enfraquecer os opositores quer na mídia, quer nos movimentos políticos. As lives acontecem à noite, em âmbito nacional, a partir das emissões diretamente da capital da República. Os recados, as ações do governo, as novas iniciativas, os novos decretos são anunciados em primeira mão nessas lives. A imprensa é obrigada a acompanhar, anotar as novidades e depois correr atrás dos detalhes para publicar para o seu público. Daí nasce mais uma dificuldade, uma vez que o governo tem o controle dos detalhes e é preciso se apoiar no que dizem as fontes oficiais. Naturalmente que tudo é arranjado para que só as informações que prestigiem o governo e o presidente estejam disponíveis para a população brasileira. Os resultados, até agora, são amplamente favoráveis e a figura do presidente é enaltecida com suas fotos nas repartições públicas, gabinetes dos governantes aliados e até mesmo em concentrações populares. O governo não perde oportunidade de promover as festas nacionais com seus slogans, a participação pessoal do presidente e até mesmo com suas fotos empunhadas nos desfiles cívicos.
A guerra em curso é um dos pretextos para justificar ações restritivas do governo. O comércio mundial se desarranjou e há dificuldades para que importações e exportações se processem como antes. O custo de vida não para de aumentar, a inflação é sentida na hora que os mais pobres fazem suas compras. O nó górdio é a escassez de combustíveis nos postos de abastecimento. Os preços da gasolina e do diesel disparam, por isso a população busca fontes alternativas para movimentar caminhões, tratores e carros. Há insatisfação no ar. Um momento propício para redigir e divulgar um manifesto contra o governo. Um grupo de intelectuais desafia o governo e junta assinaturas. O movimento eclode em Minas Gerais. É o primeiro documento de relevância contra a ditadura de Getúlio Vargas. A prova do sucesso do documento é a quantidade de assinaturas de pessoas conhecidas pela população e o manifesto tem grande aceitação entre o povo. Mais de 50 mil cópias saem de uma gráfica clandestina mineira e chega ao Rio de Janeiro, a capital da República. Os jornais publicam. A reação é imediata com represálias do governo que destitui os rebeldes de cargos públicos. Os signatários perdem os seus empregos. Até ex-presidente da República assina. A ação não tem força para pressionar o governo a convocar uma assembleia nacional constituinte e acabar com a ditadura implantada em 1937, o Estado Novo. As retaliações são consideradas brandas pelos jornalistas para não despertar a insatisfação popular. Afinal a Segunda Guerra Mundial está no seu auge e com a vitória dos Aliados tudo vai ser diferente no Brasil e no mundo. O manifesto tem mais um efeito histórico do que político, mas abre as portas para novas manifestações, ainda em 1943, como a Declaração dos Princípios do Congresso de Escritores, de janeiro de 1945.
Heródoto Barbeiro é jornalista, comentarista da Record News e Nova Brasil FM.
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