sábado, 11 de dezembro de 2021

MOMENTO JURÍDICO - Regularização de condomínio informal em 10 passos

 

A partir do disposto na Lei nº 4.591 de 1964 e no Código Civil de 2002, é possível definir o “condomínio edilício” como o regime jurídico instaurável sobre imóvel no qual coexistam unidades separadas entre si, de propriedade e uso exclusivo, cada qual com acesso a via pública, direto ou por passagem comum; e áreas comuns, pertencentes e acessíveis a todos os condôminos, cuja propriedade é partilhada entre eles em frações ideais, inseparavelmente vinculadas às respectivas unidades autônomas integrantes do condomínio.

Muito embora o artigo 32, da Lei nº 4.591 de 1964 determine que a comercialização de unidades autônomas de condomínio edilício depende do prévio registro da incorporação na matrícula do terreno, com o arquivamento de uma série de documentos obrigatórios - dentre eles o título de propriedade do terreno ou promessa de compra e venda irretratável, memorial descritivo da obra projetada, certidões negativas fiscais, atestado de idoneidade financeira do incorporador etc. -, há empreendimentos cujas obras chegam a ser concluídas e suas unidades vendidas e entregues aos compradores sem o prévio registro da incorporação e/ou sem a instituição do regime de condomínio edilício.

A inexistência formal do condomínio edilício gera uma série de consequências negativas aos condôminos, que variam conforme o caso. Se se tratar de prédio de apartamentos, a não instituição do condomínio impede até mesmo a aquisição formal da propriedade exclusiva de cada uma das unidades por seus respectivos compradores, uma vez que, juridicamente, não há unidades autônomas até a instauração do regime condominial.

Além disso, essa informalidade dificulta a imposição e cobrança de taxas condominiais e a exigibilidade de regras de conduta no condomínio (inclusive a visitantes). Ademais, se não houver uma pessoa jurídica (associação de moradores, p. ex.) que substitua a figura do condomínio, não será possível sequer abrir uma conta bancária comum e celebrar negócio (inclusive contratar funcionários) em nome da coletividade.

Gize-se que um condomínio informal já habitado, ainda que não atenda aos padrões urbanísticos e mesmo que esteja situado em área rural, poderá ser regularizado através de procedimento especial previsto na Lei nº 13.465/2017, a chamada Lei da Reurb, que busca desburocratizar e ampliar as oportunidades de formalização da titularidade de imóveis com características urbanas. Oportunamente, faremos artigo específico sobre a Reurb, cuja implementação depende da participação do Poder Público, a fim de viabilizar a superação de problemas que impediriam a regularização do núcleo urbano pelos meios jurídicos tradicionais.

Feitas as considerações introdutórias, passa-se a apresentar as medidas normalmente necessárias para a regularização de condomínio informal. Evidentemente, haverá casos em que algumas das medidas aqui expostas serão dispensáveis e outras mais serão necessárias.

I. Obter e analisar a certidão do inteiro teor da matrícula do terreno

Antes de começar a resolver o problema, é importante conhecer adequadamente a situação do terreno do condomínio informal. Para tanto, é essencial a obtenção e análise da certidão atualizada do inteiro teor da matrícula do terreno, que pode ser solicitada por qualquer um no Registro Imobiliário competente, por se tratar de cadastro público (normalmente, o número da matrícula do terreno é referido no compromisso de compra e venda da unidade, firmado com a incorporadora).

A partir dessa análise inicial - que deve ser realizada, preferencialmente, por advogado especializado - será possível definir os próximos passos a seguir.

II. Regularizar a situação do terreno

Por vezes, o imóvel condominial apresenta pendências que precisam ser solucionadas judicialmente, como penhoras realizadas em ações movidas contra a incorporadora, por exemplo.

Eventuais débitos tributários que pesem sobre o imóvel também devem ser quitados.

Em casos mais delicados, o terreno do empreendimento sequer se encontra registrado em nome da incorporadora, mas de um terceiro (muitas vezes alguém que permutou o terreno por unidades do condomínio, através de contrato particular não registrado). Se for este o caso, o mais indicado, por vezes, é constituir-se uma associação ou sociedade entre os adquirentes das unidades, e buscar-se entendimento com o proprietário do terreno e a incorporadora para que o bem seja transferido diretamente a esta pessoa jurídica de propósito específico, a fim de evitar que o bem ingresse formalmente no patrimônio da incorporadora e possa sofrer eventuais bloqueios judiciais, principalmente se esta se encontrar em dificuldades financeiras.

III. Obter o “habite-se”

Caso o prédio ainda não tenha “habite-se” (também chamado de “carta de habitação” ou “certificado de conclusão”), será necessário requerê-lo junto à Prefeitura Municipal.

O “habite-se” nada mais é do que ato administrativo vinculado através do qual a Administração exerce o controle técnico funcional da edificação particular, com vistas a exigências de segurança, higiene e funcionalidade da obra, conforme a sua destinação e o ordenamento urbanístico da cidade[1].

IV. Averbar a edificação

De posse do “habite-se”, da certidão negativa de débitos com a Receita Federal e o INSS, e uma certidão do valor venal do imóvel, o proprietário do terreno deverá apresentar requerimento ao Registro Imobiliário competente, para que seja promovida a averbação da edificação na matrícula do terreno, conforme o artigo 167, II, 4), da Lei nº 6.015 de 1977.

Com isso, restará juridicamente formalizada a existência da edificação multifamiliar dotada das características exigidas pelos artigos  e  da Lei nº 4.591/64 (“edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si...com saída para a via pública, diretamente ou por processo de passagem comum...”).

V. Aprovar a convenção de condomínio

Se ainda não houver convenção de condomínio, será necessário aprová-la.

A convenção de condomínio é, segundo Caio Mário da Silva Pereira:

...uma declaração de vontade plúrima, constitutiva de um ‘ato jurídico complexo’...[que] cria a normação de conduta para um agrupamento social reduzido, ditando regras de comportamento, assegurando direitos e impondo deveres...[oponível a] qualquer indivíduo que, por ingressar no agrupamento ou penetrar na esfera jurídica de irradiação das normas particulares, recebe os seus efeitos em caráter permanente ou temporário[2].

A lei impõe que a convenção seja elaborada por escrito (por documento público ou particular), e que seja aprovada por titulares de ao menos 2/3 (dois terços) das frações ideias do condomínio, devendo ser registrada na matrícula do terreno, para que se institua o regime condominial e para que a convecção possa valer contra qualquer um que ingresse no condomínio (art. , Lei nº 4.591 e art. 1.333CC). Ao elaborar a convenção, é importante checar se todas as disposições obrigatórias estão presentes (dentre elas, o regimento interno, que usualmente é elaborado como documento apartado), e se não há nenhuma ilicitude.

VI. Eleger o síndico e membros dos Conselhos Consultivo e/ou Fiscal (se houver)

Na mesma assembleia de constituição do condomínio, na qual seja aprovada a convenção, deve-se proceder à eleição do síndico e dos conselheiros fiscais e/ou consultivos (caso previstos na convenção).

VII. Inscrever o condomínio no CNPJ

Conforme o art. 4º, II, da Instrução Normativa RFB nº 1.863 de 2018, é obrigatória a inscrição dos condomínios no CNPJ, o que somente será possível após a sua instituição pela aprovação e registro da convenção de condomínio. Sem esta inscrição, além das sanções cabíveis, o condomínio enfrentará enorme dificuldade para abrir conta bancária, admitir funcionários, acionar condôminos inadimplentes etc.

VIII. Lavrar escrituras de compra e venda

O art. 108 do Código Civil brasileiro impõe que os negócios imobiliários com valor superior a 30 (trinta) salários-mínimos sejam celebrados por escritura pública a ser lavrada perante tabelião, sob pena de invalidade.

Por questões de segurança e praticidade, as unidades de um condomínio normalmente são negociadas, num primeiro momento, através de promessas de compra e venda, feitas por instrumento particular. Conquanto não sejam feitos por escritura pública, estes negócios são perfeitamente válidos, pois têm natureza de contrato preliminar (art. 462CC), espécie de negócio que não se submete a exigências formais como a do art. 108.

O contrato preliminar é o negócio no qual as partes se obrigam a celebrar, futuramente, um contrato definitivo, com objeto e condições predeterminadas. No caso da promessa de compra e venda, este futuro contrato definitivo é justamente o contrato de compra e venda, este sim submetido à exigência formal da escritura pública. Por isso, somente a escritura pública de compra e venda, uma vez registada, tem o condão de transferir a propriedade da unidade condominial ao comprador (art. 1.245CC).

A escritura pública de compra e venda pode ser lavrada em qualquer cartório de notas, ainda que de comarca diversa da do imóvel.

IX. Abrir matrículas das unidades e registrar nelas as escrituras

Deve-se requerer a abertura das matrículas individuais de cada uma das unidades autônomas do condomínio e promover, em cada uma delas, o registro da respectiva escritura pública de compra e venda, ato necessário para atribuir ao comprador a propriedade exclusiva de sua unidade (art. 1.245CC).

Esta, sem dúvida, é a providência de regularização mais dispendiosa, pois o valor dos registros é calculado sobre o valor venal dos imóveis (embora haja teto), o que os torna muito caros.

Felizmente, no procedimento de regularização previsto na Lei nº 13.465/2017 para núcleos urbanos ocupados por população de baixa renda (Reurb-S), os ocupantes são isentos das custas e emolumentos cartorários.

X. Promover a Inscrição Imobiliária de cada unidade autônoma

Cada unidade deve ser objeto de inscrição imobiliária autônoma, junto à Prefeitura Municipal, a fim de viabilizar o lançamento individualizado dos tributos incidentes sobre as unidades condominiais, como IPTU, taxa de lixo e contribuição de iluminação pública.

Gostou do texto? Discorda do que foi dito? Há algo importante a acrescentar? Fale conosco nos comentários e siga o nosso Perfil para continuar acompanhando as próximas publicações.


[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 495.

[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. [atual. Sylvio Capanema e Melhim Chalhub].11ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. n. 58

Nenhum comentário:

Postar um comentário