segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Café expresso: conheça a Kawasaki Z 900RS Café - A Kawasaki mais uma vez surpreende com uma clássica

 


Kawasaki é dona de duas marcas icônicas no Brasil: jet ski, que condenou todos os outros fabricantes a adotarem o insosso nome “moto aquática”, e Ninja, sinônimo soberano de prazer e desempenho no mundo das motos. Com essas credenciais a marca Kawasaki faz parte dos objetos de desejo de toda uma geração, mas nem sempre se traduziu em números substanciosos no nosso mercado, fruto de várias idas e vindas na administração da marca.

Felizmente, hoje a marca está oficialmente no Brasil, já tem uma discreta rede de concessionários e os novos produtos, como este avaliado, tem dois anos de garantia. 

Desde que o “vintage” entrou de vez na moda várias marcas correram para apresentar suas armas e a Kawasaki não brincou em serviço. Foi buscar inspiração na própria história com a 900 Z1 de 1972, concorrente direta da Honda CB 750Four. Se a Kawasaki deixou sua marca na História com a geração Ninja, o título de persona canonizável no mundo das motos vai para Soichiro Honda, que popularizou o motor de quatro cilindros em linha ao lançar no mercado americano a CB 750Four em 1969. Todas as “Four” que vieram a seguir devem reverência a ele.


Por isso não tem como falar em clássica esportiva sem pensar em um projeto de motor quatro cilindros. Que me perdoe a Triumph e suas belas Bonneville, mas “quatro-em-um” é fundamental! 

Para desenvolver essa coleção, Z900RS (Retro Sport) nas versões naked e Café, a Kawasaki foi nas prateleiras da linha de montagem e sacou o quatro cilindros da naked esportiva Z900, porém devidamente amansado. Perdeu um pouco de potência (ficou com 109 cv a 8.500 RPM) e de torque (9,7 kgf.m a 6.500 rpm), números totalmente capazes de entregar desempenho até acima do necessário. Entre as mudanças nesse motor para se adequar ao visual clássico foi a redução da taxa de compressão (10,8:1) que aceita nossa estranha mistura de petróleo com cana de açúcar, que chamam pelo apelido de gasolina. 

Nem vale a pena detalhar muito o motor porque é muito mais divertido descrever como anda, que será em breve. Só vale a pena ressaltar o fino detalhe de acabamento ao manter as aletas de arrefecimento, mesmo sendo a líquido com um baita radiador. Essas aletas são funcionais sim, mas sua verdadeira razão é “parecer” coisa antiga. Deu certo, porque nada é mais desestimulante do que uma moto clássica com os cilindros “pelados”. 


O modelo que escolhemos para avaliação foi a versão Café Racer (R$ 49.990), na mítica cor verde abacate. Não tem como curtir Kawasaki sem gostar dessa cor. Tem até uma opção cinza que só pode ser um pedido do pessoal do marketing, mas é tão estranha quanto a Seleção Brasileira jogando de azul. As diferenças dessa Café para a RS clássica são: a carenagem de farol, guidão e banco. 

Desde que a Kawasaki apresentou essa moto no Salão de Milão em 2017 – e logo em seguida aqui no Brasil – já despertou o interesse dos que buscam o clássico sem abrir mão da tecnologia. O estilo é um banho de inteligência da turma da engenharia porque conseguiu manter aparência clássica como o farol e instrumentos redondos, quadro tubular, rabeta, tanque de gasolina em forma de gota (17 litros), com tecnologia moderna como a suspensão dianteira invertida, enormes discos de freio (com pinças radiais), suspensão traseira monoamortecida, pneus radiais e rodas de liga leve. 


A tecnologia moderna se apresenta na eletrônica, como o controle de tração em dois níveis, na injeção, nos freios ABS e ignição. Nenhuma novidade, mas o controle de tração é válido sobretudo no piso molhado porque o torque em baixa é brutal. E claro que tem os detalhes de comodidade que ninguém abre mão como a chave codificada e uma tomada 12V (tipo acendedor de cigarro) sob o banco. Ah, essa trava do banco é protegida por uma capa de borracha pra não entupir de sujeira.


Hora da estrada

Por favor nem pense em comparar essa Kawasaki com qualquer clássica da Triumph! Não são comparáveis em nada! Aqui no Brasil não tem concorrente para esta Z900RS. Lá fora ainda tem a Honda CB 1100RS que também segue a linha retrô. Mas aqui ela está sozinha nesse nicho.

Antes de pegar a estrada, um passeio nas ruas de São Paulo pré-quarentena, com o trânsito típico. Quem olha para o guidão em forma de asa de gaivota, plano e ligeiramente largo, poderia imaginar uma posição desconfortável para rodar no trânsito. Felizmente não é. Com a posição das pedaleiras recuadas (mas não muito) e o banco bem cavado na parte do piloto, mesmo um nanico de 1,68 m consegue colocar os dois pés no chão sem dificuldade. Pena que os pesinhos nas extremidades do guidão sejam exagerados, porque atrapalham um pouco na hora de passar entre os carros. 

Para manobrar desligada senti falta das barras de apoio para garupa (oferecidas opcionalmente), mas foi fácil deslocar os 215 kg (em ordem de marcha). Depois de engatada a primeira das seis marchas aí a mágica acontece, porque é muito maneável e “leve” no trânsito. O escalonamento de marchas é típico das motos japonesas com as primeiras bem curtas e logo se engata a sexta. Felizmente tem indicador de marcha no painel! 


Outra boa surpresa foi a suspensão muito bem calibrada para o uso urbano (dianteira e traseira com regulagens na mola, compressão e retorno). Podem gastar latim à vontade sobre a coerência em usar duplo amortecedor traseiro nas motos estilo vintage, mas nada supera o monoamortecedor, nada! Nem a melhor engenharia consegue fazer dois amortecedores convencionais serem mais progressivos, confortáveis e eficientes do que o mono. Infelizmente, porque no aspecto visual o duplo é bem mais compatível com o estilo.

Mesmo com o guidão mais baixo o piloto não fica muito apoiado nos punhos e torna-se tranquilo rodar em baixa velocidade. Outra preocupação no trânsito urbano é com o calor que normalmente sobe do motor, mas até isso é bem suportável nesta Z900RS. Mesmo quando liga a ventilação forçada. Só acho que poderia ter embreagem hidráulica, porque o sistema por cabo cansa no anda-para da cidade.

Na estrada

Aí sim! Motor grande (948cc pra ser exato) gosta de rotação! Rodar na cidade em baixa rotação consome mais (cerca de 16 km/litro), embora seja um propulsor extremamente “elástico”, capaz de retomar em sexta marcha já a partir de 1.500 RPM! Algo fantástico dentro dessa categoria. 

Mesmo com essa característica quando se entra na estrada essa Kawasaki não fica “pedindo marcha”. Até 120 km/h (4.500 rpm em sexta) o motor é tão “liso” que parece deslizar sobre um colchão. Vibração mesmo só acima de 7.000 rpm, sentida nas pedaleiras e guidão principalmente na desaceleração. Mantendo uma velocidade de cruzeiro entre 100 e 120 km/h a média de consumo melhora bastante chegando até a 20,5 km/litro. No completo e bem desenhado painel tem as opções de consumo instantâneo e média no percurso. Além do já citado indicador de marcha, nível de gasolina, temperatura do líquido de arrefecimento, controle de tração e as já tradicionais luzes-espias. 


O único inconveniente pra mim veio da bolha da carenagem. Acima de 80 km/h ela desvia o vento justamente para a minha testa, causando um aumento do ruído no capacete. Depois de um tempo achei uma posição que reduzia um pouco, mas já percebi que este é um ponto a ser observado pelos usuários. Existem bolhas alternativas no mercado para amenizar essa característica. 

Quando vi que essa clássica vem sem o cavalete central até torci o nariz – é oferecido opcionalmente. Na minha concepção toda moto clássica deveria ter cavalete central, quem quiser tirar que tire! Mas a explicação da ausência veio na primeira serra que enfrentei. Pra dizer a verdade, na primeira curva pra esquerda! Sem o cavalete essa Z900RS Café inclina facilmente, com margem de segurança, até tocar a pedaleira no asfalto. Se tivesse cavalete seria um limitador a mais.

Moto é um veículo feito para inclinar. Algumas mais, outras menos, mas quanto mais ela inclina maior a sensação de prazer ao pilotar. O divertido nessa Kawasaki é que ela consegue um difícil compromisso entre esportividade, conforto e diversão. Tudo na medida certa para ser aquela única moto na garagem. Na minha psicose de testador compulsivo peguei até estrada de terra e abençoado seja o criador do controle de tração. Claro que ela não foi feita pra isso, mas foi bem melhor do que uma esportiva pura.


Não cheguei a testar o controle de tração no asfalto porque estava seco e quente (e eu estava bonzinho). Os pneus originais Dunlop Sportmax GPR 300 seguram bem no uso civilizado, embora tenha ficado longe do limite. Para quem é “curvodependente” que nem eu tem opções mais esportivas como o Pirelli Rosso III nas mesmas medidas originais do aro 17 polegadas (120/70 e 180/55).

Muito tranquilizador é contar com esse kit de freios a disco eficientes e progressivos. Especialmente o freio traseiro que permite controlar a velocidade nas curvas sem tendência a travar. O dianteiro – dois discos, com mangueiras de borracha – são bem progressivos. Mas eu também trocaria por um flexível revestido com malha de aço. Coisa de quem gosta de frear com dois dedos.

A melhor parte das estradas sinuosas é ouvir os quatro cilindros trabalhando a cada troca de marchas. Mas com esse motor tão vigoroso em baixa rotação dá pra manter quase o tempo todo em quinta! Só por curiosidade deixei uma marcha engatada até cortar o giro a 10.500 rpm (a faixa vermelha vai de 10 a 12 mil giros). Fiquei só imaginando o ronco desse escapamento com uma ponteira esportiva – felizmente o imenso catalisador e silenciador estão antes da ponteira. Nesta hora da aceleração a pleno é que se entende o motivo do banco em dois níveis: sem ele o piloto pode ser arrancado de cima da moto!

Ainda sobre o banco, nessa versão “cafeinada” o espaço do garupa tem um cocuruto justamente para funcionar como a rabeta esportiva. Essa espuma a mais pode ser um conforto extra para o passageiro, mas como a inclinação é negativa dá a sensação de ficar meio solto. Pra isso a Kawasaki oferece (lá fora) as barras de apoio para garupa (e outros acessórios). Vale a pena investir nisso.

Nem pense em instalar bagageiro, muito menos um baú, porque isso é um crime de lesa-design. Em volta do banco já tem ganchos para prender alguma pequena carga – como meu skate – ou capa de chuva, mas acostume-se a usar mochila!


Quem olha desconfiado para os faróis redondos de lente única aqui vai outra dica: hoje em dia com iluminação por LEDs o tamanho do farol não influencia mais. Neste caso o facho é mais do que suficiente para viagens noturnas bem tranquilas. Em compensação pense numa buzina ridícula! Uma buzina dupla cairia muito melhor e até combinaria mais com as motos da época. 

Concluindo, a Kawasaki Z900RS em suas duas versões é a aliança entre urbanidade, turismo e esportividade, num visual clássico dos anos 1970. A combinação entre novo e antigo nunca foi tão bem afinada. Para meu gosto essencialmente pessoal só sugeriria um downsizing, um motor de 750 cc, porque não precisa tanto desempenho. Há anos não faço medição de velocidade máxima em estradas, mas pelo que li nos testes gringos pode chegar fácil aos 220 km/h, mais do que suficiente em tempos de radares nos olhando. 

Não posso encerrar sem duas importantes avaliações. O teste de skatebilidade, totalmente aprovado graças aos ganchos para prender pequenos objetos. E o já mundialmente famoso IPM – Índice de Pegação de Mina (ou Mano) – que pode chegar a 9,0 pelo charme vintage. Não chega a 10 porque não tem como a mina (ou mano) se segurar no banco. Até colocaram uma cinta à moda antiga como se fosse uma sela de cavalo mas, fala sério, é a primeira coisa que eu arrancaria fora na minha!

Fonte: Tite Simões / Motoo.com.br









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