Nulidade do processo administrativo de trânsito.
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Não é raro que muitos condutores sejam surpreendidos em situações no qual não faziam idéia de que contra si já havia imposição de multas, ou mesmo outras penalidades administrativas mais pesadas, como a suspensão do direito de dirigir ou a cassação da CNH, sendo que nunca receberam nenhuma notificação em suas residências.
Isso ocorre principalmente quando a residência do condutor não é atendida pelo correio ou por erro interno no próprio departamento de trânsito, ou mesmo problemas de entrega por parte dos correios.
Já o condutor, normalmente, somente toma conhecimento de tais fatos no ato de pagamento dos tributos e licenciamento do veículo e na renovação da CNH.
Acontece que nesta situação particular em que o condutor não teve nenhum conhecimento, quase sempre nem mesmo sabia que havia cometido a própria infração de trânsito, o mesmo, evidente, encontra-se em prejuízo ante a ausência de oportunidade para se defender.
E o que é pior, na maioria das vezes, ao tomar conhecimento de tais fatos o próprio procedimento administrativo já se encerrou.
Mas será que a autoridade de trânsito esta agindo de forma correta? É correto aplicar penalidade à revelia do condutor, sem que este tenha oportunidade de participar do contraditório, sem que tenha dado a este a oportunidade de apresentar defesa, conforme o caso?
Como funciona o processo administrativo de trânsito.
Primeiramente, para que o leitor usufrua melhor deste artigo, inclusive os menos familiarizados no assunto, alguns pontos são importantes, a saber.
Quando uma infração de trânsito é identificada, vale dizer, quando o condutor comete uma infração, ele é autuado, contra ele é lavrado um auto de infração de trânsito, conhecido pela sigla 'AIT'! E para toda infração há um processo (ou procedimento) administrativo, ou seja, toda vez que é lavrado um auto de infração um processo administrativo é aberto.
Este processo administrativo segue regras e prazos legais específicos, e visa, de maneira geral, por parte da administração pública, a apreciação do fato, da legalidade, etc, e por parte do administrado (condutor autuado ou proprietário do veículo), o direito ao contraditório, à defesa, etc.
Portanto, e obviamente, o processo (ou procedimento) administrativo, desde seu nascedouro (à autuação do condutor e lavratura do auto de infração) até a fase final de apreciação e de decisão, e aplicação de possíveis sanções, demanda algum tempo, ainda que mínimo, no caso do condutor não apresentar nenhuma defesa.
Ao longo de todo o processo administrativo o condutor ou proprietário do veículo tem até três oportunidades de apresentar recurso, em duas instâncias de julgamento.
Voltando ao cerne da questão em relação à notificação, o que diz a lei:
Da Autuação
Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:
(...)
VI - assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração.
(...)
§ 3º. Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte.
Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I - se considerado inconsistente ou irregular;
II - se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação.
Art. 282, CTB. Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade.
Agora vejamos o que diz a Resolução 619/16 do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, que regulamenta a lei.
Capítulo II - Da notificação da autuação
Art. 4º. À exceção do disposto no § 5º do artigo anterior, após a verificação da regularidade e da consistência do Auto de Infração de Trânsito, a autoridade de trânsito expedirá, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da data do cometimento da infração, a Notificação da Autuação dirigida ao proprietário do veículo, na qual deverão constar os dados mínimos definidos no art. 280 do CTB.
§ 1º Quando utilizada a remessa postal, a expedição se caracterizará pela entrega da notificação da autuação pelo órgão ou entidade de trânsito à empresa responsável por seu envio.
§ 2º Quando utilizado sistema de notificação eletrônica, a expedição se caracterizará pelo envio eletrônico da notificação da atuação pelo órgão ou entidade de trânsito ao proprietário do veículo.
§ 3º A não expedição da notificação da autuação no prazo previsto no caput deste artigo ensejará o arquivamento do Auto de Infração de Trânsito.
§ 4º Da Notificação da Autuação constará a data do término do prazo para a apresentação da Defesa da Autuação pelo proprietário do veículo ou pelo condutor infrator devidamente identificado, que não será inferior a 15 (quinze) dias, contados da data da notificação da autuação ou publicação por edital, observado o disposto no art. 13 desta Resolução.
(...)
§ 7º Torna-se obrigatório atualização imediata da base nacional, por parte dos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, sempre que houver alteração dos dados cadastrais do veículo e do condutor.
Temos, portanto, que, quando a notificação por via postal for mal sucedida, se notificará por edital.
Ainda, segue a referida Resolução 619, a saber.
CAPÍTULO IV - DA NOTIFICAÇÃO DA PENALIDADE DE MULTA
Art. 11. A Notificação da Penalidade de Multa deverá conter:
(...)
CAPÍTULO V - DA NOTIFICAÇÃO POR EDITAL
Art. 13. Esgotadas as tentativas para notificar o infrator ou o proprietário do veículo por meio postal ou pessoal, as notificações de que trata esta Resolução serão realizadas por edital publicado em diário oficial, na forma da lei, respeitados o disposto no § 1º do art. 282 do CTB e os prazos prescricionais previstos na Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva.
(...)
§ 4º As notificações enviadas eletronicamente dispensam a publicação por edital.
Não sem tempo, a propósito, o Código de Trânsito Brasileiro, em prestígio aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, prevê a necessidade de dupla notificação ao infrator, a primeira por ocasião da lavratura do auto de infração (CTB, art. 280, VI), informando ao reputado infrator a existência da acusação e oportunizando a defesa prévia; e a segunda, quando do julgamento da regularidade do auto de infração e da imposição da penalidade (CTB, art. 281, caput), possibilitando a interposição de recurso perante à Junta Administrativa de Recursos de Infrações (JARI).
Inclusive, a matéria já é pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, Súmula 312: ''No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração''.
Mas atenção! O condutor deve manter seu endereço atualizado junto ao órgão de trânsito, esta é uma obrigação imposta ao condutor, já que o próprio § 1ºdo art. 282 do CTB prevê que: “A notificação devolvida por desatualização do endereço do proprietário do veículo será considerada válida para todos os efeitos.”
O condutor, portanto, deve ser notificado da instauração do processo administrativo de autuação, bem como a imposição de multa ou penalidade, trata-se de uma obrigação a ser cumprida pelo órgão de trânsito, pela administração pública.
Não havendo a referida notificação, seja por correio, ou por edital, torna-se nulo o processo administrativo, consequentemente, afastada está qualquer penalidade imposta ao condutor.
Nesse entendimento, andou bem o CETRAN/SC, em parecer de nº 284/2015:
“Depreende-se, do volume de normas que rege o assunto, que há uma grande preocupação com a efetiva realização da notificação. E não é por menos, levando em conta a importância desse ato para o deslinde do processo administrativo de trânsito, pois, sem notificação, não há como viabilizar o exercício da ampla defesa e do contraditório, corolários do devido processo legal. Nesse prumo, assaz pertinente a advertência de MEIRELLES, ao lecionar que por garantia de defesa deve-se entender não só a observância do rito adequado, como também a cientificação do processo ao interessado. Continua, o ínclito administrativista, em sua explanação afirmando que processo administrativo sem oportunidade de defesa ou com defesa cerceada é nulo, conforme tem entendido reiteradamente nossos tribunais judiciais, confirmando a aplicabilidade do princípio constitucional do devido processo legal, ou, mais especificamente, da garantia de defesa”
Como bem trataram os membros do CETRAN/SC, processo sem cientificação do condutor interessado fere a ampla defesa e o contraditório, princípios basilares do devido processo legal e íntimos do Direito Administrativo.
Novamente, verificado esta situação de ausência de notificação, deve a autoridade de trânsito reconhecer a nulidade de todo o processo e proceder ao cancelamento de multa, medida de suspensão da CNH, etc.
De fato, é importante que o recurso apresentado em processo seja elaborado com cautela e apresente de forma técnica os erros cometidos pela administração pública, aliado a uma boa base jurídica, o que exige conhecimento da matéria específica atinente ao caso.
De qualquer forma, mesmo que já tenha esgotado o processo administrativo, nada impede que o cidadão consiga a anulação da multa através de uma ação judicial, eis que a decisão administrativa poder ser revertida.
Fonte: Denatran e Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97).
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