O grande dilema dos povos e das pessoas é perseguir a paz. Viver na paz. Quanto é difícil! Mas, quem poderia nos garantir esse grande desejo do ser humano? Parece que as estratégias humanas, por quanto sábias possam ser, não garantem esse anseio. Então, o Salmo 2 da Sagrada Escritura nos vem ao encontro, dizendo que Deus é a garantia disso. Vamos ler o salmo e depois ter uma compreensão dele e, assim, tomarmos consciência do caminho a perseguir.
“Por que tumultuam as nações? Por que tramam os povos vãs conspirações? Erguem-se, juntos, os reis da terra, e os príncipes se unem para conspirar contra o Senhor e contra seu Cristo. Quebremos seu jugo, disseram eles, e sacudamos para longe de nós as suas cadeias! Aquele, porém, que mora nos céus, se ri, o Senhor os reduz ao ridículo. Dirigindo-se a eles em cólera, ele os aterra com o seu furor: Sou eu, diz, quem me sagrei um rei em Sião, minha montanha santa. Vou publicar o decreto do Senhor. Disse-me o Senhor: Tu és meu filho, eu hoje te gerei. Pede-me; dar-te-ei por herança todas as nações; tu possuirás os confins do mundo. Tu as governarás com cetro de ferro, tu as pulverizarás como um vaso de argila. Agora, ó reis, compreendei isto; instruí-vos, ó juízes da terra. Servi ao Senhor com respeito e exultai em sua presença; prestai-lhe homenagem com tremor, para que não se irrite e não pereçais quando, em breve, se acender sua cólera. Felizes, entretanto, todos os que nele confiam.”
Este salmo é muito usado como oração cristã para invocar o Messias. Para compreensão do texto, precisamos contextualizá-lo: esse hino supõe a coroação de um rei de Israel, do povo escolhido. Nos primeiros versículos, o autor desse salmo, evidencia os conflitos, sintomas de guerra, conspirações, atentados. Isto mostra como os tempos antes da coroação do novo rei, em que alguns se aproveitavam para poder se libertar do peso excessivo do poder central do reino, eram muito movimentados e alterados.
Portanto, a alegria e as festas que faziam parte dessa entronização eram marcadas também pelos movimentos de guerrilha e insubordinação de uns. Por isso, celebrando essa entronização, era auspicada a vitória e a paz. Mas o seu escolhido é protegido por Deus do assalto dos reis da terra. Tanto é verdade, diz o salmista, que é questão de tempo que esses reis terrenos servirão a Deus e ao seu Messias, o escolhido-consagrado. De fato, na língua hebraica, ‘Messias’ quer dizer ‘consagrado’.
Perante as grandes estratégias dos poderosos desse mundo se opõe uma grande cena celestial, em que Deus está sentado no seu trono,
dominando tudo. Ele quebra o silêncio com um “sorriso irônico, e os reduz ao ridículo”, demonstrando e impondo toda a sua superioridade perante os poderosos deste mundo. Continua o salmista, revelando que Deus é o grande aliado do rei, seu escolhido: “Sou eu, diz, quem me sagrei um rei em Sião...”, confirmando assim o poder de Davi e a sua descendência.
Com isso, eu creio, que o poder não é do rei, mas de Deus. Sendo assim, o rei não pode achar que ele é o dono, porque o verdadeiro dono é o Senhor e, portanto, o seu papel é de servir. Isto vale também para os nossos tempos, onde tiver poder não pode nunca agir como mandão, mas como servidor. É essa a experiência de Deus que leva a consagrar o serviço aos irmãos, verdadeiro poder, e não o autoritarismo do ser humano. O perigo de fazer uma vida sem o verdadeiro Deus, leva à escravidão e à opressão das pessoas.
Quem melhor que Jesus nos pode ajudar a identificar essa experiência de serviço e amor pelos outros e, sobretudo, de quem mais necessita? Lendo e relendo o salmo do ponto de vista cristã e também com as perspectivas da vida dos últimos tempos, adquire-se um sentido bem interessante: o reino de Davi e a sua dinastia, muitas vezes obscura, corrompida e não fácil de entender, anda na vida turbulenta da história sobre um caminho projetado por Deus. Podemos dizer que não é um caminhar sem destinos ou um processo de forças que se chocam entre elas e depois se superam. É, no entanto, a existência de algo que conduz, não obstante seja escondido entre os eventos da história, que leva em direção do Reino de Deus e à pessoa de Jesus Cristo, “filho de Abrão, filho de Davi” (Mt 1,1), onde “para realizá-lo na plenitude dos tempos - desígnio de reunir em Cristo todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra.”(Ef 1,10) Deus vivo na nossa história nos dá mais humanidade e vida.
Fonte: Claudio Pighin, sacerdote, jornalista italiano naturalizado brasileiro, doutor em teologia, mestre em missiologia e comunicação.
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