Matéria pelo motociclista André Carrazzone...
Meu pai andava de moto, e gostava muito também. Certa vez em uma de nossas conversas sobre o assunto ele me contou uma coisa: “Sabe nosso amigo, o Paulo? Ele recebeu um prêmio de uma montadora por ter andado nas motos daquela marca por mais de 500.000 quilômetros, imagina?” e arrematou “e você sabe que existe uma associação americana que dá um prêmio para quem faz certas viagens de grandes distâncias?”.
Vou confessar que inicialmente, o que me fez ir atrás dessa história que meu pai me contou foi o ego. Imagina, um prêmio... ser humano é vaidoso na sua essência. Ledo engano. Fui descobrir depois de muito tempo que não tem nada a ver com isso.
Bom, vou esclarecer tudo isso. Existe uma associação sim, trata-se da Iron Butt Association. Uma associação sem fins lucrativos que incentiva e homologa as viagens de longa distância ou Endurance, feitas de forma segura e dentro de certos parâmetros.
Imagine uma grande distância para se percorrer. Imaginou? Pois bem, esse pessoal certifica as viagens a partir da mais “simples” que determina que o piloto (com ou sem garupa) deve andar dentro de 24 horas, a distância de 1.000 milhas. Isso mesmo, ou seja, 1.609 quilômetros em menos de 24 horas. Essa viagem é certificada com o nome de SaddleSore 1600k. Traduzindo ao pé da letra, Sela Dolorida.
Esse pessoal, capitaneados pelo Senhor Michael Kneebone, vem desde o ano 1.982, fazendo essas homologações, quando a marca foi definitivamente registrada, Iron Butt Association. Hoje são mais de 60.000 motociclistas certificados em todo o mundo, nos vários tipos de provas que eles oferecem, em todos os tipos de motos que você possa imaginar. Alguns são bem interessantes, mas vou falar nisso mais a frente.
O nome da associação surgiu em uma brincadeira da época. Existia, como hoje aqui no Brasil, uma indústria muito forte de produtos “saudáveis” e a figura principal deles era o Iron Man, super musculoso e saudável. Pronto! Como nesse caso o que deve ser saudável e musculoso são as nádegas, Iron Butt, Bunda de Ferro. Nada mais justo!
As viagens que são, ou serão, certificadas em todo o mundo, vão para a sede da Associação, onde voluntários verificam a documentação enviada e homologam ou não. E qual é a documentação? Ela varia um pouco de acordo com o grau de dificuldade da viagem, mas basicamente são alguns formulários que provam o trajeto. Neles estão dois formulários de testemunhas, um de saída e outro da chegada, onde constam os dados da moto, do piloto, do local, além do odômetro da moto e lógico, da assinatura e dados dessas testemunhas. Outro formulário importante é o que você informa as paradas que fez durante o trajeto. É o histórico da viagem, ou como é chamado, o “Log”. Nessas paradas, o piloto deve documentar de forma que fique claro que ele a fez. Um cupom de abastecimento por exemplo, constando data e hora da parada, um comprovante de pedágio ou até mesmo uma nota fiscal de hotel ou restaurante são as provas e estão contidas nesse formulário. (foto da Sra. Ardys Campbell, detentora de diversos certificados de Iron Butt)
Outra parte dessa documentação é o mapa do trajeto que você planejou e o que você executou. Hoje, com a tecnologia facilitando tudo, essa parte pode ser enviada por meio de um link do Google Maps. Eles até preferem. E finalmente existe um questionário simples para a documentação onde você informa seus dados, as cidades que passou nesta viagem e mais outras informações pertinentes à ela.
É tudo bastante metódico e realmente prova que você cumpriu o trajeto.
Mas veja bem, o que eu mencionei sobre ego no início do texto, simplesmente esqueça. Quando você anda uma distância dessas, após haver planejado tudo, então tendo muita ansiedade e preparação mental para tal, o ego simplesmente não existe mais. Você descobre que não vai adiantar nada divulgar ou fazer propaganda do seu feito. Poucas pessoas vão entender e tenha certeza, algumas vão querer te internar ou não ter você mais como um amigo seguro, sem dúvidas. A consequência de tal experiência é basicamente pessoal. Uma experiência em que ficarão claros quais são seus limites e até onde você pode chegar, física e psicologicamente. Sem explicações!
O tal certificado SaddleSore 1600k é o mais “simples”. Falei isso por que realmente é o primeiro para se fazer e assim conseguir o seu registro na associação. Depois é que vem os mais “pesados” e até alguns engraçados.
Exemplo de um certificado de realização de um Iron Butt.
Esse é do motociclista Sidney Miguel Mazzorana.
Alguns exemplos de provas certificadas pela Iron Butt Association, só para termos uma ideia do que se trata:
- O SaddleSore, ou SS, tem o 1600k, mas tem também o 2000k em menos de 24 horas;
- O BunBurner (ou queimador de traseiro), ou BB, com o BB2500k ou 2.500 quilômetros em menos de 36 horas e o BBG2500k (BunBurner GOLD) ou 2.500 quilômetros em menos de 24 horas;
- Provas de mais de um dia, SaddleSore 2000, 3000 e 5000 que determinam que o piloto deve percorrer 2.000 milhas em 48 horas, 3.000 milhas em 72 horas e 5.000 milhas em 120 horas;
- BunBurner GOLD 3000, que são 3.000 milhas em 48 horas;
- 10 – 10 ths que são 10 SaddleSores consecutivos, ou seja, 10.000 milhas em 10 dias;
- As provas de Costa à Costa. Aqui na América do Sul seria da costa do oceano Atlântico, no Brasil até a costa do oceano Pacífico no Chile. Estas provas podem ser feitas de várias formas e são o CC50 que seria esse trajeto, passando por 4 países em até 50 horas, o CC30 que seria o trajeto por 3 países em menos de 30 horas e o CCC100 que é o Costa à Costa à Costa, indo e voltando em menos de 100 horas.
Ufa! Cansa só de pensar!
Mas não para nisso. Eles tem uma prova bienal que é o cúmulo de todas essas. É o Iron Butt Rally que são 11.000 milhas em até 11 dias. Mas esta é monitorada em um evento mesmo, com os pontos pré-determinados. Apesar de ser uma “prova-evento”, continua sendo uma certificação individual, como todas as outras.
Acabou? Não, tem muitas outras e tem uma certificação que premia os membros com múltiplos certificados, que é o Mile Eater, ou Comedor de Milhas. Essa tem uma graduação que vai desde a pessoa que tem 2 viagens certificadas (Mile Eater Basic) até o que tem 200 certificações (Mile Eater Black). Acreditem, existem muitas pessoas no mundo buscando esse certificado, como também os intermediários.
Três certificações que eu acho muito interessantes, veja só:
Trans Americas: é a certificação que é oferecida ao piloto que cumprir o seguinte trajeto, de Prudhoe Bay, Alaska até Ushuaia, Argentina.
Trans Americas Challenge: é a mesma aumentada, de Prudhoe Bay até Ushuaia e voltando para Prudhoe Bay.
E finalmente, Trans Americas Challenge Triple Insanity: que é mesma aumentada, superdimensionada, de Ushuaia até Prudhoe Bay, voltando para Ushuaia e de novo até Prudhoe Bay.
É uma loucura total isso tudo, mas existe!
A Associação é uma entidade única, sem capítulos ou “filiais”. Tudo é concentrado neles, porém, em vários países existem grupos organizados e o Brasil é um deles. Aqui existe o IBA-BR que se reúne basicamente no facebook (www.facebook.com/groups/IBA.BR) e em um evento anual. É um grupo muito unido, onde a afinidade principal é sim Iron Butt e tudo que o envolve, mas como outros vários grupos, vai além, gerando muitas amizades.
Dentro desse seleto grupo, de pouco mais de 60.000 pessoas, existem alguns que se sobressaem e vou citá-los aqui.
Sra. Ardys Campbell (faleceu aos 81 anos em 2013), obteve vários certificados de Iron Butt
Fora do Brasil:
Dick Fish: Teve sua viagem certificada pelo Guinnes Book. Fez um Trans Americas (Alaska-Ushuaia), em 21/09/2006 com uma BMW R1150GS. 14.423 milhas em 21 dias, 2 horas e 8 minutos (23.207 km);
Rosie Sperry: Mais de 15 certificados, entre eles 2 Iron Butt Rally, como PASSAGEIRA;
Jack Dodds: Mais de 15 certificados, entre eles o 100K Club (100 mil milhas em 1 ano), que ele fez com 73 ANOS;
Ron Millard: Com 16 anos (em 2007) teve seu primeiro certificado como piloto, mas já tinha outros 6 como passageiro, sendo que no primeiro ele tinha 7 ANOS.
Foto do grupo do 2o. Encontro Anual do IBA
2o. Encontro Anual da IBA em Urubici/SC
E aqui no Brasil:
Alvaro Teixeira (in memorian): Importante nome da Associação. Foi o precursor e primeiro Certificado Brasileiro, em 2000. Tem, entre outros tantos, um Latin America CC50 feito em 2002;
Roberto Marshall: Tem mais de 15 certificados. Entre eles um Latin America CC30 em 2002;
Mario Franco de Castro Filho e Tacio Ulysses Sampaio: Fizeram em 2004 o Trans Siberia Express GOLD. O Mario, além desse, tem ainda um Euro-Asia Coast to Coast;
Nelson Chardosim: Além de Mile Eater, é escritor, conhecido como Chardô;
Sidney Mazzorana: Possui vários certificados, entre eles um SaddleSore 3000;
Marcos Catania: Além dos certificados, é o idealizador do Grupo de Brasileiros da Iron Butt Association.
Uma pessoa, uma jovem senhora, também chama atenção com uma história bem interessante com a Associação. É Ardys Campbell Kellerman, falecida em junho de 2013, com 81 anos.
Ardys tem em seu currículo vários certificados, entre eles 4 Iron Butt Rally, em 93, 97, 99 e 2001. Ela fez um SaddleSore com 73 anos e, em Agosto de 2011 se tornou a primeira mulher a andar 1 milhão de milhas com motocicletas da marca BMW, o 1.000.000 Mile Award, só existem 13 pessoas no mundo com esse prêmio. Muito legal né?
Enfim, essa foi a história que para mim, é resultado de uma conversa gratificante com meu saudoso pai!
Mais informações sobre a Iron Butt Association acesse o site oficial da entidade www.ironbutt.com.
Um grande abraço,
Fonte: André Carrazzone Neto - RockRiders. com. br
Fonte: André Carrazzone Neto - RockRiders. com. br
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