Desde que os portugueses chegaram ao Brasil no século 15 foi instituído o chega prá lá. Deram um chega prá lá nos indígenas e se proclamaram donos de todas as terras, animais, águas, florestas, minérios que fossem encontrados, ou no presente ou no futuro na Terra de Santa Cruz. Aos índios sobrou se dobrar ao poderio bélico dos invasores ou fugir para as matas no interior. Mesmo lá não tiveram sossego. O instituto do chega prá lá autorizou El Rey a dividir tudo em grandes lotes e distribuí-los entre os eupátridas, os bem nascidos. Mesmo com tanta terra, vez por outra um latifundiário dava um chega prá la no outro, ou para esticar o pasto ou para se apropriar de alguma riqueza recém descoberta. Não raro a disputa virava briga, vendita, com mortes que passavam de geração em geração . O Brasil republicano tentou liquidar com chega prá lá com leis, decretos, portarias, normas, regulamentos, e outros judidiquês. Daí para frente tudo seria diferente, legal, preto no branco, sem sacanagens ou avanços contra as propriedades do Estado.
A instituição do chega prá lá é mais uma das jabuticabas. Na década de 1970 os ruralistas vindos do sul invadiram as terras do centro oeste, do norte e onde mais foi possível. Apropriaram-se de matas, campos, cerrados, em nome do agrobusiness. Brasil celeiro do mundo. Os mineradores invadiram comunidades indígenas e quilombolas , rios, bacias, e qualquer outro sítio promissor. Os loteadores privatizaram as mais belas praias do país, instituíram condomínios riquíssimos, puseram cerca e muros mesmo onde a maré alta chega. Deram um chega prá lá em Netuno e não perdoararam nem as ilhas mais próximas de Pindorama. Viraram paraísos privados. As empreiteiras fincaram prédios e outros empreendimentos em áreas de mananciais, despreocupadas se com esse chega prá lá poderia no futuro comprometer o fornecimento de água para seus clientes.
Enfim os bens da pátria, do Estado, do povo brasileiro tomaram um chega prá lá dos espertos. Fizeram escola. Populações pobres imitaram o exemplo da elite e deram um chega prá lá em mangues, encostas, matas ciliares, florestas urbanas e onde mais fosse possível tomar posse. É a lei do mais forte, do mais esperto, do mais necessitado, do mais aparelhado politicamente, do líder de facção do crime organizado. Uma vez consolidado o chega prá lá não há como voltar atrás. Já imaginou ter que devolver para os índios as terras que perderam? Ou exigir que os latifundiários reponham as matas que derrubaram para substituí-las por gado ou soja? Obrigar os loteadores clandestinos de toda estirpe a indenizarem os que de boa fé compraram propriedades em locais que são do povo brasileiro? Ou o poder público retirar as populações pobres que vivem nas encostas que constantemente escorregam e soterram inocentes? Seria um pega prá capá. Por isso, uns optam por uma outra jabuticaba: deixa prá lá, não tem solução, é melhor não mexer com os poderosos. O deixa prá lá é a antítese do chega pra lá, é a indolência contra o mal feito, é o conformismo embalado pela atitude oficial. E por aí vai.
Fonte: Herodoto Barbeiro
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