sábado, 5 de agosto de 2017

A PINGA SANTA NA VENDINHA DE SECOS E MOLHADOS

Essa nação que tem pressa, corrupção em dólares e em real, carros importados e muitos doutores já foi um dia um oásis, onde os homens simples compravam nas “Vendas de Secos e Molhados”, tomavam pinga, mandavam uma dose para o santo, contavam seus feitos e levavam suas vidas felizes!
Antigamente era assim: tudo muito simples! De chita as mulheres se vestiam. Os homens, cuecas da marca “torre”, camisa “volta ao mundo” ou de “tricoline”, calças de brim, ou mescla, sapato “durabel” e usavam chapéu de palha.
O fumo, de corda, companheiro de toda hora, era enrolado na palha de milho e, depois, nos “papelinhos”. Tempos de nossos pais e avós, nesta fantástica corrente da vida.
Com a palha das palmeiras, cobriam-se as casas e os “tapiris” e faziam-se os paneiros com a palha de coqueiro, que ainda servia de cama.
Nos paneiros, eram transportados farinha, borracha, castanha, milho, biju e peixe salgado que chegavam nos barcos que vinham da “ribeirança” virginal e pura ao longo do Rio Madeira.
O fumo comprava-se nas “Vendas de Secos e Molhados”. Também, ali, se comprava o arroz, o feijão, a farinha, o sal, o açúcar, a conserva, o querosene, a carne seca; meia barra de sabão, manteiga a retalho, uma cabeça de alho; tudo anotado no caderninho para pagar a Deus dará. E, de quebra, na saída, um gole de cachaça, pura, com direito a derramar um “tiquinho” para o santo. Tempos do fio do bigode, quando a palavra definia os homens!
O dono da venda, sempre com uma toalhinha no ombro e lápis colado à orelha, geralmente era compadre de todo mundo ou primo distante. É que naquela época, havia a cobertura do amor!
Vizinhos, eram quase parentes, se cumprimentavam com cordialidade e trocavam afetos. Eram os tempos da vigilância da família. Filhos tomavam a benção, as filhas namoravam na janela e se beijos houvesse a vizinhança toda alardeava e, aí, “babau”!
A virgindade da moça era um dos bens preciosos da família. Menina falada não arrumava marido que prestasse. “Aquilo”, era como um diamante no fundo do mar, cuidava “dele” o pai, a mãe, os irmãos, os vizinhos, o padre, e havia ainda até uma espécie de teste na noite de núpcias: o sangue jorrado nos lençóis...
Veio a máquina do tempo e triturou o passado, mas libertou as meninas do cepo de não serem nada. E, hoje, são juízas, promotoras, médicas, professoras, funcionárias públicas etc., perderam a virgindade, sem vigília, mas ganharam o espaço e, como os homens, navegam altivas nas asas do condor.
A taberna, na realidade, era o ponto de encontro dos filhos da Dona Candinha. Ali, se contava prosas, ouvia-se a viola chorar e o cantor apaixonado. Da alma, os versos fortes, traduziam suas desventuras, como: “A gente briga diz tanta coisa que não quer dizer, fica pensando que não vai sofrer que não faz mal se tudo terminar”...
De quando em vez, um descuidado até exagerava no “trago”, enchia o “pote” e caía, mas logo era alojado debaixo da mesa e ninguém tocava no distinto até ele acordar da ressaca. Depois, era levado para casa, uma mão em cada ombro dos amigos, como se todos fossem irmãos.
Nas rodas, os assuntos eram os mais variados: falava-se da filha de “Xande” que deu com os burros n’água; da mulher do vigia que esperou o marido sair e foi dar “sopa” desfilando na cidade no fusca do patrão. Cidade pequena, inferno grande!. Vejam: tudo em torno “daquilo”, “a virgindade e pureza das mulheres”. Na verdade, o machismo no “Cavalo de Tróia” existencial!
Lembravam-se, de tudo. Da menina das pernas grossas que não perdia uma missa aos domingos na Catedral e sentava na primeira fila. Do seringueiro “saldista”, do Seu Calixto, o “gerentão” do Banco da Borracha, que estava oferecendo empréstimos, a juros tentadores, para o incremento do corte da seringa.
“Das últimas do ‘machão” Delegado Alípio, em Guajará Mirim, e do abono que os seringalistas iriam premiar seus empregados no final do ano.
A venda era tudo isso e muito mais! Era o santuário dos hereges! O vendeiro, afoito, entrava na roda e bebia cachaça, da branquinha, sem fazer careta para dar o exemplo aos mais contidos; sem se descuidar, é claro, de dar um golinho para o santo que era o único que nunca metia as mãos nos bolsos.
Menino ficava de longe e não entrava na conversa dos mais velhos, mesmo na mesa de bar. A regra era dura, mas santa, preserva-se a pureza dos meninos, das meninas a virgindade. Roubar? Nem pensar! Era coisa do demônio, não obstante a crueldade da pobreza, velha companheira do homem no tempo e no espaço.
Hoje, porém, tudo voou nas asas do tempo, mas ficou o indelével registro nas mentes e corações dos que presenciaram ou viveram momentos assim.
Tanto que, quando entro numa Taberna, dessas de subúrbio, em cujo balcão está uma balança vermelha, da marca “Filizola”, tudo em “secos e molhados”, remonto o filme da minha infância e, instintivamente, sinto saudades daqueles tempos e demoro em assimilar os dizeres numa papeleta atrás do balcão; “FAVOR NÃO PEDIR FIADO”.
Naquela época, os homens eram honestos. Compravam, mas pagavam e ninguém sabia o que era inflação. O dinheiro de ontem era o dinheiro de hoje e de amanhã. Os aviamentos eram anotados num caderninho e não precisavam de assinaturas nos papéis. É ninguém pedia fiado! Não existia desconfiança, havia, sim, homens honrados fazendo história. E homens honrados, todos sabem, se acreditam!
Mas estamos em tempos modernos, de conquistas universais trepidantes na área da tecnologia e os tempos mudaram ou os homens mudaram os tempos?...
Eles já não vivem mais em “tapiris” cobertos de palha como antigamente. A palha agora é outra. O fumo é “ultra light” e dá cana. Vivem, sem se dar conta, da tragédia do progresso material, no vai-e-vem paradoxal da vida!
Hoje, com os ventos da modernidade, o “Botequim da Esquina”, virou pó, transformaram em recanto dos “pés inchados” e foi doado de “mão beijada”, à plebe ignara que povoa os ermos dos “desvãos” das periferias das cidades.
Mas como seria interessante que os homens tivessem novamente motivos para ir à “Taberna da Esquina”, tomar uma, sorrir, contar seus causos, puxar o cigarrinho de palha genuína e pitar à vontade como nos tempos da primavera dos nossos dias!
E com esperança, abrir o coração, vibrar, contar seus feitos, sonhar, estabelecer novas conquistas, sem se descuidar da saudável lembrança de um passado idílico, de uma vidinha gostosa, NAS VENDINHAS DE SECOS E MOLHADOS, que o tempo tragou e alojou no útero do progresso.
E como somos iguais, homens de ontem, homens de hoje, deixemos então o vento entrar pela nossa porta da frente e, de braços abertos vamos falar de flores...
Porque “Flores”, são sempre “Flores”...
E ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE!
Fonte: Jornalista Arimar Souza de Sá / Porto Velho-RO.
(Postado na cidade de São José do Rio Preto-SP)





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